Leis laborais e professores fazem azedar debate à esquerda
Às portas do Orçamento do Estado para 2019, António Costa e os líderes dos partidos à esquerda protagonizaram ontem um dos debates mais duros desta legislatura
SUSETE FRANCISCO e JOÃO PEDRO HENRIQUES Foram quase duas horas de debate resumíveis assim: é mais aquilo que os separa do que aquilo que os une. Leis laborais, professores, Serviço Nacional de Saúde – em quase tudo discordaram ontem António Costa e as bancadas da esquerda que sustentam o governo. Entre BE, PCP e PEV falou-se em “chantagem”, “prepotência”, “postura arrogante”, “desilusão”, ingenuidade.
Habitualmente conciliador com bloquistas e comunistas, o primeiro-ministro não fez por disfarçar divergências. A esquerda quer contar todo o tempo de serviço dos professores? “Não há dinheiro.” A esquerda não gosta do entendimento sobre matérias laborais na concertação social? “É um bom acordo, assinado por todas as confederações patronais.” O BE quer discutir já a Lei de Bases da Saúde? O grupo de trabalho nomeado pelo governo apresenta conclusões em setembro e é “esse o calendário que vamos cumprir”. Professores? “Não há dinheiro” Por partes. A rutura nas negociações com os sindicatos dos professores dominou grande parte do debate quinzenal. Fernando Negrão, líder parlamentar do PSD, foi o primeiro a abordar o tema, mas foi com o BE, o PCP e o PEV que as acusações subiram de tom. Catarina Martins, líder do BE, acusou o ministro da Educação de fazer uma “chantagem inédita” com os professores, ao defender que “ou aceitam a proposta do governo ou não vão ter nem um dia contabilizado”. “É muito grave.”
Costa recusou qualquer chantagem e atribuiu a rutura nas negociações à “intransigência” dos sindicatos. “Não houve qualquer disponibilidade para negociar”, respondeu, defendendo que os sindicatos nunca abandonaram a exigência de contabilizar, na progressão das carreiras, “nove anos, quatro meses e dois dias, nem menos uma hora”. “Não há dinheiro para pagar os 600 milhões necessários para responder a esta reivindicação”, diria ainda ao PEV, depois de Heloísa Apolónia ter acusado o governo de ser uma “desilusão para os professores”. Leis laborais e acordo dos patrões O tema foi chamado ao debate logo no início pelo próprio António Costa, que falou num “bom acordo”, feito com a assinatura de “quatro confederações patronais” – viria a repeti-lo Debate de ontem marcou o primeiro confronto quanto às novas leis laborais. O próximo será a 6 de julho, dia em que as propostas vão a votos várias vezes no debate. E até apontou uma “mudança de paradigma” das associações patronais, que subscreveram um acordo “bom para os trabalhadores”.
A resposta não se fez esperar. Jerónimo de Sousa: “Oh senhor primeiro-ministro, eu e o senhor já andamos cá há muito tempo. Acredita que se fosse bom para os trabalhadores teria a assinatura de quatro confederações patronais? Não pense nisso, é ingénuo, é querer enganar-se a si próprio.” E tinha mais para dizer: “Isto não é combater a precariedade, é tolerá-la, legalizá-la. As propostas que o governo acertou com o patronato vão penalizar centenas de milhar de trabalhadores.”
Pelo caminho ficou também o desafio do BE para avançar já com a revisão da Lei de Bases da Saúde. O calendário predefinido aponta para setembro e “é esse calendário que vamos cumprir”.
O ambiente crispado à esquerda acabou por secundarizar o duelo com PSD e CDS, que abordaram também a questão dos professores. Pelo caminho, Fernando Negrão, líder parlamentar social-democrata, deixou uma pergunta a Costa: “Isto é um aviso ao Bloco de Esquerda e ao PCP?”