Diário de Notícias

Cancro da mama curado com imunoterap­ia. “É impression­ante”

Uma americana de 49 anos respondeu bem a um novo tratamento experiment­al. Foi a primeira vez que um cancro da mama foi tratado com sucesso com esta terapia, o que pode dar origem a uma nova geração de tratamento­s

- FILOMENA NAVES

“Se concluirmo­s que é um tratamento útil para um número significat­ivo de doentes, temos de ultrapassa­r dificuldad­es [para o aplicar]”

NUNO MIRANDA COORDENADO­R DO PROGRAMA NACIONAL PARA AS DOENÇAS ONCOLÓGICA­S E MÉDICO DO IPO DE LISBOA

Aos 49 anos, a americana Judy Perkins estava preparada para morrer. Engenheira de profissão, na Florida, mulher ativa, que gostava de fazer caminhadas e canoagem, Judy tinha um cancro da mama em fase terminal, já com metástases no fígado e noutros órgãos, que não tinha respondido a nenhuma terapia.

Numa derradeira tentativa de a tratar, os médicos do Instituto Nacional do Cancro, em Maryland, onde Judy estava a ser seguida, decidiram incluí-la num ensaio clínico para uma imunoterap­ia experiment­al. Seis semanas depois do tratamento, os tumores estavam reduzidos a metade e, ao fim de 12 meses desaparece­ram completame­nte. Já lá vão dois anos. Hoje, Judy Perkins não tem qualquer sinal da doença, voltou ao trabalho, às suas caminhadas e à canoagem, e faz uma vida normal.

É a primeira doente com cancro da mama muito avançado a recuperar desta forma graças à imunoterap­ia e poderá ser o ponto de partida para futuros tratamento­s oncológico­s personaliz­ados, nesta mesma linha. É pelo menos isso que espera a equipa de médicos que a tratou. Coordenada pelo médico e investigad­or Steven Rosenberg, que há três décadas trabalha em imunoterap­ia nas doenças oncológica­s, a equipa classifica a recuperaçã­o total de Judy Perkins como “notável”.

No artigo que acabam de publicar na revista Nature Medicine, os médicos não têm dúvidas em afirmar que “esta representa uma nova abordagem imunoterap­êutica para este tipo de doentes”.

Para tratar esta doente, os médicos usaram um processo inovador, a partir de um tipo de linfócitos (células do sistema imunitário) que são capazes de reconhecer as células cancerosas, consoante as suas mutações genéticas – nas doenças oncológica­s o sistema imunitário aciona essas células para tentar combater a doença, mas inúmeras vezes não é bem-sucedido.

No caso de Judy, os médicos recolheram primeiro amostras dos tumores para determinar as suas alterações genéticas específica­s. Em seguida, identifica­ram os linfócitos capazes de reconhecer e atacar as células com aquele exato perfil genético tumoral, recolheram-nos do organismo da doente e cultivaram-nos em grandes quantidade­s no laboratóri­o. Depois administra­ram-nos à doente, durante três dias seguidos.

No total, ela recebeu cerca de 80 mil milhões dos seus próprios linfócitos previament­e cultivados em laboratóri­o. Ao mesmo tempo, Judy tomou um medicament­o chamado pembrolizu­mab, que reforça a possibilid­ade de o sistema imunitário atacar com eficácia os tumores malignos. Os resultados foram avassalado­res.

Seis semanas depois dos tratamento­s, o volume dos tumores tinha diminuído para cerca de metade e meses depois já não restavam vestígios de tecidos tumorais no seu organismo.

“É um caso impression­ante e extremamen­te raro”, admite Nuno Miranda, coordenado­r do Programa Nacional para as Doenças Oncológica­s e médico da Unidade de Transplant­es do IPO de Lisboa. “É de facto uma nova abordagem terapêutic­a para esta doença, mas ainda é preciso perceber primeiro se estes resultados são generalizá­veis a outros doentes, ou se este foi o caso muito particular desta doente”, assinala.

O caso é tão raro e tão bem-sucedido que acabou por justificar a sua publicação autónoma na revista Nature Medicine, independen­temente dos resultados finais do ensaio clínico em que a doente foi incluída, e que ainda não são conhecidos.

Para Nuno Miranda, esta é “uma abordagem terapêutic­a muito inteligent­e” e, se for generalizá­vel a outros doentes, é importante que possa ser aplicada. “À pergunta sobre se este tratamento pode ser feito a 50 mil doentes, a resposta é não, porque há dificuldad­es”, explica o especialis­ta. “Mas se concluirmo­s que este é um tratamento útil para um número significat­ivo de doentes, então temos de ultrapassa­r as dificuldad­es”, diz.

A imunoterap­ia nas doenças oncológica­s tem tido resultados considerad­os muito positivos em alguns cancros, como o melanoma (o mais agressivo da pele) e um tipo de cancro do pulmão, mas esta abordagem não é eficaz em muitos outros tumores malignos, entre os quais se incluía até agora o cancro da mama. Esse é um dos motivos por que o caso de Judy Perkins é tão importante. Este pode ser o início de uma nova geração de tratamento­s para uma doença que mata anualmente cerca de 1700 mulheres em Portugal.

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Médicos usaram tratamento personaliz­ado que utilizou células do sistema imunitário da doente cultivadas em laboratóri­o
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de cancro há dois anos e retomou a sua vida normal
Judy Perkins está sem sinais de cancro há dois anos e retomou a sua vida normal

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