Diário de Notícias

As escolhas da fotógrafa à porta da Magnum

A viver no Brasil e com um português fluente, artista teve carta-branca para criar cinco exposições no Festival Internacio­nal de Fotografia. Poderá estar a entrar na agência Magnum

- LINA SANTOS

Cristina de Middel, alicantina e fotógrafa, foi convidada em 2016 a mostrar no seu trabalho na PhotoEspañ­a. Escolheu olhar para o seu trabalho e constatou que não era capaz de parar e fazer pouco, “um vício que ficou dos tempos em que trabalhava na imprensa”. Chamou à exposição Muchismo e exatamente dois anos depois volta ao mesmo Centro Cultural Fernán Gómez, em Madrid, com o Prémio Nacional de Fotografia de Espanha no currículo e um convite da agência Magnum. Recebeu carta-branca do festival internacio­nal de fotografia para criar cinco propostas do programa. Todas a partir uma ideia: brincar. De jogo. Com humor.

“Têm de estar preparados para este bombardeio de imagens”, antecipa, em jeito de anfitriã. Nas cinco exposições, há uma citação de Alice em Do outro Lado do Espelho, de Lewis Carroll, um mapa-múndi em imagens, uma ficção vinda da Nigéria, fotos da Magnum e circo. 2018 é o ano em que “o maior espetáculo do mundo” faz 250 anos como o conhecemos. “Uma feliz coincidênc­ia”, segundo o curador Kalev Erickson, convidado por Cristina de Middel para criar esta exposição, a partir do acervo do Archive of Modern Conflit, uma coleção que nasceu em 1991, para registar conflitos e é hoje um arquivo de fotografia quotidiano repartido por Londres e pelo Canadá. Kalev e Cristina partilham o gosto pelo excesso. Só aqui estão quase cem imagens.

Cristina admite, por fim, em conversa com o DN, que não consegue parar. “Não consegui. Tentei, mas não consegui. Foi muito intenso. O convite da agência Magnum, o Prémio Nacional de Espanha, agora este convite. Não consegui. É o mal de dizer sim a tudo, mas eu gosto, sinto-me viva”, diz. Como se não bastasse, Gran Final Mundial pretende ser uma representa­ção dos cinco continente­s com uma fotografa espanhola, dois americanos (do norte e do sul), um fotógrafo do Magreb, um asiático e uma dupla australian­a e na seleção para a mostra da Magnum há mais de uma centena de imagens. “Tenho de admitir, sou assim. Não tenho capacidade de resumir. Gosto do excesso”, diz num português com sotaque do Brasil, onde vive há dois anos com o marido, brasileiro. “Fui para o Rio, mudámos agora para o norte, estamos morando em Itacaré, perto de Salvador da Bahia. O Rio ficou muito quente. Procuramos zonas mais tranquilas”. E mantém a ligação ao México, onde estava há dois anos. “Estou a 12 horas de avião de todo o lado. É o triângulo perfeito.”

O começo nos jornais Foi nos jornais que a carreira de Cristina de Middel começou em 2002. “Comecei a fazer de paparazzi no verão, em Ibiza.” Seguiu-se um diário em Alicante, a sua cidade, mas decidiu ir à procura de “outras vias”. “Mostrar o mundo desde a minha perspetiva.” “Sempre fui demasiado artística para os jornais e demasiado documental para as galerias, mas quero manter isso. Eu, como o meu nome, no meio”, diz, referindo-se ao apelido De Middel, herdado do pai, belga.

Começou em 2010 a trabalhar numa série chamada Afronauts e foi essa que a aproximou das galerias e afastou da imprensa, embora continue a pensar sobre o papel dos fotógrafos nos jornais: “Antes éramos apenas testemunha­s. Agora querem conhecer a nossa opinião. Como vemos o mundo.” Como voz singular, experiment­ou a realidade de que está falando. Não tem de ser neutral.

Convite da Magnum Há um ano exato, Cristina foi convidada a fazer parte desse clube de fotógrafos que inclui gente como Henri Cartier-Bresson ou Robert Capa, que fundaram a agência em 1947, ou Inge Morath, a primeira mulher a fazer parte do grupo. “Tenho dois anos para apresentar um portfólio.” Se conseguir, será a segunda mulher espanhola a consegui-lo depois de Cristina García Rodero. Ri-se: “Peço desculpa, as regras não são minhas, mas para fazer parte da agência Magnum é preciso chamar-se Cristina.” Para já, mergulhou no acervo. E, partilhand­o curadoria com Martin Parr (que Cristina insistiu que mostrasse as suas fotos), que conheceu graças a Afronauts e que faz questão de referir na hora de lembrar os que mais a apoiaram nesses projetos. É com ele que partilha a seleção das fotografia­s que se podem ver na exposição Players. Os fotógrafos da Magnum entram no jogo. Propõem olhar para a realidade “dois passos ao lado e ter uma segunda leitura” no Espacio Telefónica.

Fora do programa oficial de PhotoEspañ­a, Cristina de Middel tem a sua própria exposição, Milana del Tobozo, na Galeria Juana de Aizpuru. É sobre Espanha. “Achei que era importante falar da identidade espanhola com a problemáti­ca da Catalunha. Voltei a casa, ao meu arquivo, compilei as imagens que falam de Espanha, desde 2006, tentando diluir o conceito de nação que sempre foi muito problemáti­co. Sinto-me espanhola, mas não de um jeito agressivo. É uma visão sobre o que pode ser a Espanha. A minha proposta é descobrir Espanha por ordem semântica. É um maneira de conhecer o território sem a carga histórica responsáve­l por estes sentimento­s à flor da pele.”

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O circo completa 250 anos de existência em 2018
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Começou por fazer fotografia de paparazzi, e hoje tem umconvite da Magnum

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