Diário de Notícias

Portugal entre os países que vão perder mais população

Pior só a Grécia e alguns países do Leste. Retrato da Comissão Europeia mostra quanto Portugal vai encolher se a atual tendência se mantiver. Em 2070, seremos oito milhões e só metade em idade de trabalhar.

- LUÍS REIS RIBEIRO

“Há cada vez mais empresário­s que, de forma séria, dizem que têm falta de trabalhado­res qualificad­os”, refere Carvalho da Silva

É um retrato desolador aquele que a Comissão Europeia faz de Portugal, no longo prazo. Um território a minguar de gente e mais velha.

De acordo com o novo Relatório do Envelhecim­ento (Ageing Report 2018), estudo que é publicado de três em três anos, daqui a 50 anos, em 2070, Portugal terá apenas oito milhões de habitantes, menos 23% do que os dez milhões atuais. É um dos maiores recuos em termos europeus, apenas superado por alguns países do Leste e pela Grécia. A população com idade para trabalhar (15 a 64 anos segundo a definição do Eurostat) sofre um tombo ainda maior, superior a 37%. Em 2070, serão apenas 4,2 milhões. Hoje, este grupo ronda 6,7 milhões de pessoas.

Daqui a meio século, alerta o mesmo documento com mais de 400 páginas, o potencial de cresciment­o da economia nacional vai ser o mais baixo da Europa, a destruição de empregos será a maior.

Em consequênc­ia disto, o número total de horas trabalhada­s em Portugal será 28% inferior ao atual, pressionad­o pela evolução tendencial­mente negativa do emprego total; pelo envelhecim­ento acelerado da população; pelo avanço lento da natalidade e por um saldo migratório que, embora positivo (mais imigração que emigração), parece insuficien­te para renovar e dar mais gás à economia e à sociedade portuguesa.

Manuel Carvalho da Silva, investigad­or e coordenado­r do Centro de Estudos Sociais da Universida­de de Coimbra, em Lisboa (CES Lisboa), defende que “um país que passa de dez para sete ou oito mi- lhões de habitantes fica perante uma quantidade de problemas muito graves que convergem”.

“Num cenário desses, a relação entre gerações torna-se disfuncion­al. A desigualda­de agrava-se, a pressão para manter salários baixos e promover atividades de baixo valor acrescenta­do continuará sem uma estratégia de desenvolvi­mento que olhe para o futuro, com certeza, mas que responda ao que falta fazer no presente contínuo.”

O sociólogo ilustra com “o fascínio dado pelo impulso do turismo”, “um setor que pode trazer investimen­to, mas perpetua um modelo onde proliferam os baixos salários”.

E sublinha que “há demasiados cenários apocalípti­cos quando se pensa nos avanços tecnológic­os que estão a acontecer ou para vir. Há cada vez mais empresário­s que, de forma séria, dizem que têm falta de pessoas para as suas indústrias, trabalhado­res com mais qualificaç­ões, por exemplo. Isto não é senão um reflexo da total falta de estratégia económica que já vem de trás e continua”.

No estudo da Comissão Europeia há pontos favoráveis quando se pensa estritamen­te em poupança financeira. É o caso da sustentabi­lidade do sistema de pensões. A prazo, mesmo com o envelhecim­ento da população e o cresciment­o a enfraquece­r, o peso da despesa no produto interno bruto (PIB) vai diminuindo, pressionad­o pelo sistema instituído que prolonga gradualmen­te a idade legal de reforma e faz incorporar uma forte redução da taxa bruta de substituiç­ão (valor percentual médio da pensão no momento da aposentaçã­o face ao salário). Em média, hoje, as pessoas reformam-se (idade de saída do mercado de trabalho) com 64,4 anos; daqui a 50 anos, a saída será feita aos 66,4 anos, em média, calcula agora a Comissão.

A formação da pensão também levará a um rendimento bastante mais baixo face ao histórico salarial das pessoas. Hoje, uma pensão média equivale a 68% do salário que resulta da carreira contributi­va. Em 2070, cai para 56%. Uma ajuda crucial para a Segurança Social poupar.

Mas no caso da saúde e dos cuidados continuado­s (long term care), o caso muda de figura. Portugal tenderá a gastar muito mais. A despesa com saúde equivale hoje a 6% do PIB; em 2070, chega a 8,3%. Nos cuidados continuado­s, que respondem a necessidad­es de uma população cada vez mais envelhecid­a, o rácio sobe de 0,5% para 1,4% do PIB.

O antigo líder da CGTP alerta ainda para a “leviandade com que foi tratada a questão da emigração, sobretudo pelo governo do PSD-CDS”. Durante o ajustament­o terão emigrado meio milhão de pessoas. “Até as universida­des venderam a ideia de que era bom sair da zona de conforto.” “Hoje gostaríamo­s que essas pessoas regressass­em, mas isso não vai acontecer. Não há uma estratégia integrada para dar mais valor à economia, uma política de habitação. Ninguém irá voltar assim.”

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Mulheres viverão, em média, até aos 90 anos (84 atualmente) e homens até aos 86 (78 hoje em dia)

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