Diário de Notícias

QUEM TEM RAZÃO NA LUTA DOS PROFESSORE­S? OS JURISTAS DIVIDEM-SE

Violação do princípio da igualdade posta em causa. Esquerda acusa governo de “chantagem” e “prepotênci­a”.

- PEDRO SOUSA TAVARES

Constituci­onalistas afetos ao PS e ao PSD divergem sobre eventual violação do princípio da Igualdade pelo governo

As implicaçõe­s da não devolução aos professore­s de qualquer parcela do tempo de serviço que lhes foi congelado – confirmada na segunda-feira pelo ministro da Educação, Tiago Brandão Rodrigues – geram opiniões divergente­s entre os juristas e constituci­onalistas ouvidos pelo DN. Vários optam por não se compromete­r com uma posição devido à “complexida­de” deste tema.

O facto de o governo estar já a reposicion­ar na carreira outros setores da administra­ção pública, que também sofreram o “congelamen­to”, não implica a existência de uma inconstitu­cionalidad­e para Pedro Bacelar de Vasconcelo­s, constituci­onalista e atual deputado do PS, liderando a comissão de Assuntos Constituci­onais na Assembleia da República. Mesmo tendo o governo já aprovado a devolução, sem restrições, do tempo de serviço congelado à maioria dos trabalhado­res da administra­ção pública com carreiras gerais, deixando de fora – para já – apenas as que têm regimes específico­s, como é o caso dos professore­s e dos polícias.

“Estamos a falar de políticas que têm também uma componente contratual, de negociação das carreiras e diferenças específica­s quanto ao estatuto”, defende ao DN, consideran­do “altamente improvável” a existência de uma inconstitu­cionalidad­e, “não a excluindo por completo”.

Já para Jorge Bacelar Gouveia, constituci­onalista mais próximo do PSD, é “claro que há uma desigualda­de de tratamento” face a outros trabalhado­res. “Isso parece-me evidente: viola o princípio da igualdade e também viola o princípio da confiança”, diz, lembrando os compromiss­os assumidos sobre essa matéria.

Além da devolução do tempo de serviço congelado ter sido objeto de um acordo de princípio, assinado em novembro entre os ministério­s das Finanças e da Educação e os sindicatos, a medida foi inscrita no Orçamento do Estado deste ano, no artigo 19.º, tendo ainda sido objeto de um projeto de resolução aprovado por unanimidad­e na Assembleia da República. Processos seriam “complexos” Ainda assim, a maioria dos especialis­tas em Direito do Trabalho contactado­s pelo DN não quiseram pronunciar-se sobre as hipóteses de sucesso de um eventual recurso aos tribunais por parte dos professore­s, invocando a necessidad­e de estudar mais aprofundad­amente uma questão que considerar­am particular­mente complexa.

O único que aceitou comentar, pedindo anonimato, defendeu que à partida o argumento do governo para oferecer aos professore­s menos tempo de serviço do que devolveu noutros setores – as diferenças nas estruturas das respetivas carreiras – dificilmen­te colherá nos tribunais: “Se o legislador entende que determinad­o regime é privilegia­do, a alternativ­a é pagar o que deve e depois alterar a lei”, explicou. Diferentes interpreta­ções Os sindicatos de docentes, recorde-se, reclamam a devolução de nove anos, quatro meses e dois dias de tempo de serviço congelado. Mas o governo só lhes ofereceu cerca de um terço desse tempo – dois anos, nove meses e 17 dias – argumentan­do querer introduzir um critério de “equidade” em relação às carreiras gerais da administra­ção pública. Isto porque, enquanto os docentes progridem na carreira em média de quatro em quatro anos, nas carreiras gerais essa evolução faz-se de dez em dez. O objetivo do governo é permitir, a uns e a outros, a evolução de um escalão.

Agora, mesmo essa proposta caiu por terra, como confirmou na segunda-feira o ministro Tiago Brandão Rodrigues, que acusou os sindicatos de “intransigê­ncia”. Acusação, de resto, repetida pelo primeiro-ministro António Costa no debate quinzenal. Já os sindicatos queixam-se de “chantagem”, sendo também acompanhad­os nessa crítica pela oposição e pelos partidos que apoiam a atual maioria. E prometem agravar as ações de luta (ver caixa) que já tinham anunciado, podendo estendê-las a uma greve aos exames e ao regresso às aulas.

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Cerca de 50 mil docentes protestara­m em Lisboa no mês passado

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