ESPECIALISTAS DO PSD AVISAM
SUBSÍDIOS NÃO CHEGAM PARA TERMOS MAIS FILHOS
Mafalda Samuelsson-Gamboa e a família vivem na Suécia, onde ter filhos dá apoios que inspiraram o projeto do PSD
Mesmo os responsáveis pelos dois trabalhos do PSD mais importantes dos últimos anos sobre natalidade concordam: mais subsídios às famílias, só por si, não resolvem o problema da falta de crianças em Portugal. Rui Rio apresentou ontem a sua política para a infância, em que se destaca um novo apoio transversal a todas as crianças que ultrapassaria os dez mil euros até aos 18 anos, e que mereceu elogios cuidadosos do primeiro-ministro. Mas o próprio coordenador do conselho estratégico social-democrata, responsável por esta área, admite ao DN que o dinheiro entregue de forma isolada “não conduz a nada”.
“O melhor contributo destas propostas é mesmo a gratuitidade das creches”, defende David Justino, “estar a separar as medidas distributivas fora deste contexto não conduz a nada”. O antigo ministro da Educação de Durão Barroso admite que teria sido importante pegar nas questões da conciliação dos horários de trabalho com a vida familiar ou dos salários médios dos trabalhadores, “mas essas estão fora do âmbito deste programa”, portanto prefere dar lastro a um modelo que mistura incentivos financeiros com apoios na educação pré-escolar, inspirado em França, na Dinamarca e na Suécia. “É que os subsídios não valem de nada se as famílias gastarem tudo numa creche, tem de ser o conjunto das ações.”
Subsídios atribuídos ainda durante a gravidez, cheques-bebé de 200 euros para serem levantados aos 18 anos, autarquias que criam incentivos que passam apenas por um pagamento às famílias quando têm os filhos. As propostas para estancar a quebra de natalidade no país multiplicaram-se na última década e muitas delas têm duas coisas em comum: focam-se no dinheiro a atribuir às famílias e nenhuma delas evitou que nascessem menos 15 mil bebés entre 2010 e 2017 (em todo o ano passado, nasceram 86 mil crianças). “Temos de focar as políticas em quem quer ter filhos, caso contrário, ao centrar apenas na atribuição de dinheiro a quem tem problemas económicos, pode levar-se algumas pessoas a ver aí uma fonte de rendimentos, mesmo que nem sequer estejam preparadas para educar. As medidas têm de ir desde a criação de creches ao IMI às contas de água e luz”, defende Joaquim Azevedo.
O professor da Universidade Católica coordenou em 2014 um outro estudo sobre natalidade para o PSD, a pedido do então primeiro-ministro e líder social-democrata, Pedro Passos Coelho. As propostas tiveram pouco tempo para ganharem vida própria – “houve apenas uma alteração no IRS, que foi anulada por este governo” –, mas muitas autarquias acabaram por seguir algumas dessas ideias, que passavam, por exemplo, por uma redução de 1,5% na taxa de IRS com o primeiro filho e de 2% no segundo e seguintes; trabalho em part-time durante um ano, a seguir à licença parental, pago a 100% em substituição do pai ou da mãe; tarifários familiares de água, resíduos e saneamento; apoio à contratação de grávidas, mães/pais com filhos de até 3 anos através de isenção de TSU. Além do alargamento da oferta de creches e flexibilização de horários.
Nesta área, David Justino, que também já presidiu ao Conselho Nacional da Educação, até prevê a construção de mais creches em Lisboa e no Porto, distritos com maiores problemas de acesso. “Vale a pena esse investimento, e pode passar por apoios do Estado às câmaras para que construam novas creches. Isso é perfeitamente possível com fundos comunitários, e a gestão pode ser entregue ao setor social ou serem as próprias IPSS a construir.” Até as empresas são desafiadas a juntar-se para gerar oferta. 62 autarquias amigas da família Parece senso comum, mas convém ser sublinhado: os estudos na área da fiscalidade familiar mostram que famílias com mais filhos são prejudicadas nas contas do quotidiano, incluindo água e luz, mas também impostos. Quem o lembra é a presidente da Associação Portuguesa de Famílias Numerosas, Ana Cid, que só vê relevância nos apoios financeiros para que os casais não tenham uma quebra demasiado acentuada de nível de vida. “E não é com os valores apresentados pelo PSD,
de 70 euros por mês até aos 6 anos e de 35 daí em diante; isso está muito longe dos verdadeiros encargos.”
Além de creches e horários amigos dos pais, as famílias numerosas pedem incentivos pela via fiscal. E apontam o que está errado: “Por exemplo, um casal de professores, que tem um aumento de cem euros no salário, pensa ter um filho, mas no ano em que a criança nasce vai ter de pagar mais impostos porque passou a ter um salário mais alto. Ou o IMI que se paga por uma casa grande, sem que se tenha em conta que muitas vezes temos de ter uma casa grande porque temos uma família grande.”
Foram estes critérios, como a adequação de taxas às famílias com mais filhos ou projetos para conciliar a vida familiar e laboral, que levaram à criação, em 2008, do Observatório das Autarquias Familiarmente Responsáveis. Um ano depois, contava com 13 municípios e no ano passado já “condecorou” 62. “As autarquias adotaram essas ideias de forma estruturada, porque perceberam que é importante começar já a chamar casais em idade fértil para os seus municípios, quando as projeções apontam que vamos passar de dez para sete milhões”, explica Joaquim Azevedo (leia mais na pág. 2). “Bons contributos para o debate” No debate quinzenal de ontem com o primeiro-ministro na Assembleia da República, o líder parlamentar do PSD, Fernando Negrão, desafiou António Costa a pronunciar-se sobre as medidas apresentadas na segunda-feira pelo líder social-democrata, Rui Rio. E elencou algumas das principais propostas apresentadas pelo PSD: criação de um subsídio para todas as grávidas a pagar no sétimo mês de gravidez, substituição do abono de família por uma prestação fixa (independente da condição económica), alargamento da licença de parentalidade para 26 semanas e gratuitidade de creches e jardins-de-infância a partir dos 6 meses. “São certamente bons contributos para o debate, vamos analisar com o maior interesse e, quando forem devidamente formalizadas, pronunciar-nos-emos”, afirmou.
“O melhor contributo destas propostas é mesmo a gratuitidade das creches”, defende David Justino