Em derrapagem
E
m 1970, Georges Friedmann (1902-1977), na sua obra O Poder e a Sabedoria, designava a figura do “condutor” de veículos como símbolo da nossa civilização. Para Friedmann, um dos mais argutos estudiosos do nosso vertiginoso destino tecnológico, os milhões de desastres e centenas de milhares de mortos em acidentes de viação que anualmente ocorrem são a trágica representação do “grande desequilíbrio” que atinge o coração da nossa cultura contemporânea: o abismo entre o imenso poderio tecnológico e a frágil sabedoria moral das nossas decisões. A ONU, a UE, a imprensa internacional, como é o caso da última edição mundial da
concentram a sua atenção sobre um dos sinais de que “o condutor” há muito entrou numa longa derrapagem que só um milagre poderá impedir que se conclua numa colisão fatal. Em escassas décadas deixámos afogar o planeta e sobretudo os nossos oceanos em plásticos.Todos os anos mais de 400 milhões de toneladas desse derivado do crude são produzidos. Apenas 9% são reciclados. O resto acaba em lixeiras, é queimado, contaminando o ar, ou escorre para os mares, onde constitui 85% de todo o lixo existente. Nos oceanos, o plástico mata peixes, grandes mamíferos como as baleias e os golfinhos, aves marinhas, e entra na cadeia alimentar sob a forma de microplásticos, penetrando perigosamente no corpo dos consumidores de topo: nós! Comparado com megaproblemas, como as alterações climáticas, a queda da biodiversidade, o impacte social da robótica e da inteligência artificial, o problema dos plásticos parece ser de solução fácil. Implica boas leis que recompensem os consumidores responsáveis e estimulem a ciência e a indústria inovadoras: não precisamos de embalagens de duração secular para proteger conteúdos efémeros como alimentos e líquidos. Será que a aceleração tecnológica nos embriagou a ponto de nos fazer esquecer que a Terra não é um lugar de passagem mas sim a nossa única casa no universo?