Diário de Notícias

Bruxelas foi palco do encontro do Centro Europeu de Fundações. Projetos e temas apresentad­os nas conferênci­as serviram para reforçar desejo antigo do setor: livre circulação na UE

- A NA TOMÁS, DEL A S . P T, Br u x e l a s

Quando os objetivos do desenvolvi­mento sustentado subiram ao palco, Hugo Menino Aguiar foi a estrela. O projeto do jovem empreended­or português foi destacado como exemplo de como as boas ideias podem ultrapassa­r fronteiras, desde que tenham o apoio necessário, no primeiro dia de conferênci­as do encontro anual promovido pelo Centro Europeu de Fundações ( EFC na sigla em inglês), que decorreu esta semana em Bruxelas.

O SPEAK, que Menino Aguiar fundou em 2014 em Leiria – software que permite a pessoas de diferentes origens, residentes na mesma região, aprender novas línguas e criar uma rede de contactos intercultu­ral –, passou a estar presente em três cidades estrangeir­as, além das sete portuguesa­s onde já opera com instituiçõ­es públicas. Com a ajuda da Fundação Calouste Gulbenkian, da fundação italiana CRT e do fundo de investimen­to português Bem Comum, o SPEAK está agora disponí- vel em Turim ( Itália), Berlim ( Alemanha) e Madrid ( Espanha) e as suas caracterís­ticas têm sido particular­mente aproveitad­as pela população migrante e refugiada. “O que agora queremos perceber é como é que o SPEAK se adapta e funciona em diferentes contextos e países. Madrid e Berlim são muito recentes. Em Turim, já tivemos uma boa surpresa: no primeiro trimestre deste ano, foi a melhor cidade daquelas em que estamos presentes, incluindo as portuguesa­s”, assumiu Hugo Menino Aguiar.

Assumir riscos e fazer a ligação entre poderes públicos e população através do apoio a projetos inovadores, como o do empreended­or português, são fatores que, segundo os representa­ntes das fundações, caracteriz­am e tornam fundamenta­l o papel destas instituiçõ­es. Desafios globais, um só mercado Neste encontro, que além das fundações juntou Estados e instituiçõ­es públicas europeias, ONG, investidor­es e doadores, três entidades representa­tivas do setor das funda- ções apresentar­am, pela primeira vez, uma declaração comum, pedindo aos políticos europeus a criação de um mercado único para a filantropi­a. A DAFNE, rede de 26 doadores e centros de fundações de toda a Europa, com mais de dez mil associadas, uniu- se ao EFC e à Associação Europeia de Investidor­es Filantropo­s ( EVPA em inglês) para reclamar direitos de operação semelhante­s aos das empresas.

“Temos um mercado único para bens e serviços, na União Europeia, mas não um mercado único para a filantropi­a. Tornamos fácil na Europa fazer dinheiro uns com os outros, mas dificultam­os muito a tarefa de nos ajudarmos”, diz Felix Oldenburg, chairman da organizaçã­o.

O responsáve­l afirma que apesar de as fundações e os doadores terem uma intervençã­o muito diversa e abrangente, a sua ação sofre vários constrangi­mentos dentro do espaço comunitári­o. Entre as barreiras com que se deparam aponta restrições ao financiame­nto estrangeir­o, como acontece na Hungria e na Polónia, o facto de uma fundação “não poder transferir livremente a sede” para outro Estado e “ser reconhecid­a pela legislação local” ou critérios fiscais diferentes e desiguais. “Uma fundação pode obter uma dedução fiscal por fazer uma doação em África, mas não na Roménia”, exemplific­a Oldenburg. comunidade­s, as fundações podem ajudar a ultrapassa­r as limitações orçamentai­s – apesar da proposta de reforço contemplad­a no orçamento plurianual da UE para 2021- 27 para o subsetor da cultura, no valor de 650 milhões de euros.

“Há 114 mil fundações que, dependendo das culturas e legislaçõe­s locais, operam sob regras muito diferentes e as fundações contribuem com 60 mil milhões anuais, pelo menos – provavelme­nte muito mais –, para o bem comum. Só uma pequena parte do valor circula além- fronteiras”, refere, lembrando que os grandes problemas atuais requerem cooperação internacio­nal. A redução de espaço de intervençã­o da sociedade civil e as restrições aos direitos dos cidadãos, em alguns países, as migrações e a crise dos refugiados, as alterações climáticas ou o desenvolvi­mento digital das sociedades são exemplos. “São desafios internacio­nais, se não globais; é preciso que as fundações trabalhem juntas e de forma transfront­eiriça.” Interação precisa- se Hugo Menino Aguiar, que tem internacio­nalizado o SPEAK com a ajuda financeira de fundações portuguesa­s e estrangeir­as, não tem dúvidas sobre os benefícios da arti - culação com os Estados. “Para cumprirem objetivos, estas organizaçõ­es precisam umas das outras. Temos um serviço que é usado pelo Alto Comissaria­do para as Migrações que tem o instrument­o financeiro para usar o SPEAK, e há fundações que reforçam financeira­mente o projeto com outros objetivos.”

Em 2017, o SPEAK fechou uma ronda de investimen­to na fase inicial do negócio de 500 mil euros para um programa a três anos ( até 2019). A Gulbenkian e a Fondazione CRT contribuír­am com 60% e o Fundo Bem Comum deu o resto. O orçamento para 2018 é de 370 mil euros. O SPEAK “representa centenas de outros projetos com soluções válidas para programas do Alto Comissaria­do, mas que precisam de financiame­nto para escalarem”. Entre esses projetos estão o Fundo para o Asilo, Migração e Integração e outro, com o Portugal Inovação Social, que visa reforçar a intervençã­o do SPEAK no centro do país.

Este encontro em Bruxelas revelou que, a nível europeu, a relação entre fundações, empreended­ores e investidor­es em projetos sociais não será muito diferente. Razão pela qual quem ali estava aproveitou para fazer networking e partilha de contactos, embriões de financiame­ntos futuros. O evento reuniu mais de 600 participan­tes, de 316 organizaçõ­es e 37 países diferentes.

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