Diário de Notícias

GERMANO ALMEIDA “SOU UM BESTSELLER QUE VENDE MIL LIVROS EM DOIS ANOS”

O escritor cabo- verdiano recebeu o Prémio Camões na edição deste ano e vai ter de voltar à sua ilha natal, Boa Vista, aonde, desde que saiu, poucas vezes tem voltado, pois a população assim o exige. Um prémio que tanto o surpreende­u como agradou

- JOÃO CÉU E SILVA

O escritor cabo- verdiano Germano Almeida veio a Portugal lançar o seu mais recente romance, O Fiel Defunto. O livro saiu poucos dias após o júri do Prémio Camões ter galardoado o autor e é dos melhores exemplos da sua obra. Reúne o espírito satírico que se lhe conhece, bem como o humor frequente na sua prosa, obrigando o leitor a lê- lo a alta velocidade para saber o que acontece. Quando se lhe pergunta o que falta para a literatura de São Tomé e Príncipe receber o Prémio Camões, vai mais longe: “Não é apenas São Tomé mas Timor também, mesmo que haja um tempo próprio para as coisas acontecere­m.” Este é um livro sobre um corno... Não fica provado que o foi.... Também de um homem impotente... Mentalment­e impotente, mas não está garantido que o seja. E ainda é a história de uma mulher emocionalm­ente bígama... É verdade, fi- la assim de propósito e com essa bigamia emocional. Foi fácil escrever 300 páginas com tais caracterís­ticas nos personagen­s? Se dissesse que não era mentira. De facto, fui escrevendo ao correr da pena mas, quando terminava um capítulo, não sabia o que viria a seguir. As personagen­s adquiriram vida própria e fiz o que mandavam. O pior foi o final, mas surgiu a história da mulher que queria fazer uma fundação para o marido escritor e disse é mesmo isto, vou fazer uma Pilar del Río em Cabo Verde. Não teve medo de iniciar o livro com o ponto alto da trama, a morte do autor? Não, por uma razão simples, a de ter começado a escrever o livro como uma brincadeir­a. Pretendia fazer uma crónica mas faltava uma ideia; então, fui escrevendo sem qualquer preocupaçã­o sobre se seria um conto ou um romance e saiu- me facilmente. Daí que refira que este é o seu primeiro romance? Mais ou menos, porque não parti com essa intenção. Depois, disse para mim: pela primeira vez, estou a escrever um romance e não sei como vai terminar. Enquanto advogado, não se arrepende de ter dado tanto tempo à literatura? Não. Comecei a escrever desde miúdo mas só pensei em publicar quando fundámos a revista Ponto & Vírgula. Como faltava material para encher a revista, sugeri uns contos malucos meus. Se gostassem, podiam utilizar. Gostaram e publicou- se. A partir daí, dedicar tempo à escrita é um prazer e divirto- me a ver crescer os meus personagen­s. A única coisa que dei conta ao escrever este é que há nele muita coisa de mim. Porque começou com pseudónimo? Era Romoualdo Cruz, porque já existia como advogado e as histórias não condiziam com a seriedade da profissão. Qual a razão de se dedicar à escrita? Durante o tempo que estive em Angola porque recordava a minha ilha. A Boa Vista era um deserto de areia branca, a Angola um deserto verde, e aí comecei a fazer paralelos e a recordar a infância. Esteve em Angola como combatente? Estava na tropa, era soldado, mas já conhecia as lutas de libertação e era próximo do PAIGC. Só que não consegui fugir a tempo. Os cabo- verdianos que estão na diáspora ficam a reconhecer melhor o país com os seus livros? Eles não escrevem, mas a sua paixão pelo país é impression­ante. É como a paixão que os judeus têm por Israel. Cabo Verde continua a ser a terra prometida, tanto que tivemos um poeta que dizia que ao sairmos de Cabo Verde só pensávamos em poder voltar. Voltar, mas raramente vai à sua ilha? Durante muito tempo não fui e há alguns anos que não o faço, mas agora tenho de ir porque ficaram tão felizes por ter ganho o Prémio Camões que terei de lhes ir agradecer pessoalmen­te. Porque não vai à Boa Vista mais vezes? Por uma razão muito simples, houve uma entrega da Boa Vista ao turismo e tudo mudou. Prefiro continuar a manter a Boa Vista da infância, até porque a ilha nunca saiu de mim e vou lá buscar quase todas as minhas histórias. Mas não sinto necessidad­e de regressar. Há muita autobiogra­fia neste livro? É verdade que há muita coisa autobiográ­fica, não nego porque o personagem/ escritor não pode fugir muito de mim, nem foge do que imagino ser. É o escritor que gostaria de ser? Considero- me um contador de histórias e não quero ser outra coisa. A minha ambição máxima na escrita é ser entendido pela quase totalidade das pessoas. Os meus colegas acham que escrevo com uma linguagem popular, mas não me importo porque sou adepto daquela frase do Eça: “Bem- aventurado­s os pobres de léxico, porque deles é o reino da glória !” Não tenho pretensões a ser intelectua­l. O contador de histórias ainda tem que ver com a tradição oral de Cabo Verde? Já foi maior, mas a luz elétrica e a televisão mudaram tudo. Nos meus tempos de infância havia pessoas a quem pagávamos para contarem histórias. Angola quer aderir à Commonweal­th. A língua inglesa é mais importante para os autores africanos do que a portuguesa? Mesmo que o achasse, não tenho hipótese porque nasci na língua portuguesa – que falo tal como o crioulo – enquanto inglês não. Nascer em Cabo Verde é uma fatalidade e nasci numa terra com 15 mil habitantes, ou seja, sou um bestseller que vende mil exemplares de um livro em dois anos. É a minha realidade e não fujo dela. Quanto ao crioulo, não está em perigo porque faz parte de nós e, neste momento, precisamos é de dominar mais a língua portuguesa. Porque brinca com os colegas poetas – Arménio Vieira, Jorge Carlos Fonseca e José Luís Tavares – neste livro? Não é exclusivam­ente brincar. Tinha posto uns poetas antigos, mas depois decidi homenagear os mais novos. Não sei se já leram o livro, mas se não gostarem problema deles. Há sempre duas palavras que definem a sua obra: sátira e humor. Concorda? Concordo, porque o humor é uma maneira pessoal de escrever. E quem mais o influencio­u? Sou tributário de Eça, Jorge Amado e Gabriel García Márquez. No caso deste último escritor, um amigo emprestou- me o Cem Anos de Solidão e deliciei- me. Se ele escreveu aquelas loucuras e ganhou o Nobel, eu, que não tenho pretensão de ganhar tal prémio, posso escrever as loucuras que quiser.

Dizem que Os Dois Irmãos é o primeiro romance com dimensão nacional na literatura cabo- verdiana. É verdade? Tenho ouvido isso sobre o Sr. Nepomuceno... Que é um livro diferente, parte do real mas teve mais efabulação. Neste livro há críticas aos quadros demasiado jovens. O Estado cabo- verdiano esqueceu- se dos mais velhos? Acho que sendo um país jovem, não se dava tanto espaço aos jovens como se

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O Fiel DefuntoGer­mano Almeida Editorial Caminho 317 páginas

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