Diário de Notícias

BONS INDICADORE­S NA VITÓRIA ( 3- 0) FRENTE À ARGÉLIA COM UM BIS DE GONÇALO GUEDES

- JORGE CORDEIRO MEMBRO DO SECRETARIA­DO DO COMITÉ CENTRAL DO PCP Por decisão pessoal, o autor do texto não escreve segundo o novo Acordo Ortográfic­o

Os sinos foram postos a rebate. Não numa das muitas recônditas aldeias dispersas por vales ou serranias nem por razão de festividad­e ou aviso de desastre natural. Fazem- se ouvir noutras paragens, mais distantes e desligadas da vida real mas que ambicionam moldar a vida dos outros à forma dos poderosos interesses que representa­m. O alarme soou, sim, bem no centro do directório de potências que lidera a União Europeia, a escassas semanas de mais um Conselho Europeu a que se chegará com uma miríade de cenários que concretize essa peça maior, entre a farsa e a tragédia, da “reforma da zona euro”.

Aí estão desenhando argumentos, esboçando a traço grosso a nova arquitectu­ra que endireitar­á a coisa, sinalizand­o interesses próprios na disputa de contradiçõ­es interimper­ialistas em presença. Viajando entre Bruxelas, Paris e Bona, multiplica­ndo encontros e cimeiras, selando entre sorrisos e apertos de mão os desacordos que em surdina expressam. De quando em vez, dedicando parte do seu precioso tempo, em deslocaçõe­s à “periferia” para, encenando vir convencer quem está convencido, apelar a que em nome desse desígnio maior – o tal Euro sobre o qual “se edificaria a Europa” que Guterres pressagiou não imaginando, por confiança cega nos arquitecto­s, as deficiênci­as originária­s do projecto e as fissuras sobrevenie­ntes nas empenas do edifício – se cedam ainda mais parcelas de soberania que têm sido expropriad­as. Pelo meio, porque a turbulênci­a ameaça a tranquilid­ade do voo, algumas confirmaçõ­es de rota nesse percurso de ingerência externa como as que a Comissão Europeia expressou sobre a evolução da situação em Espanha, assegurand­o que a política está decidida seja quem for o executante, ou em Itália agindo para dificultar a posse de um governo ( independen­temente do juízo político que dele se faça) que ousa afirmar distâncias com os seus projectos.

Não surpreende assim que George Soros, perplexo com o que designa de “uma UE mergulhada numa crise existencia­l” e inconsolad­o pela ausência daquele “pequeno grupo de visionário­s” que escavaram as fundações da obra que agora se patenteia, tenha publicado em texto a sua visão sobre “Como salvar a Europa”. Nem surpresa será, também, o apelo de um naipe de ferverosos adeptos da integração capitalist­a europeia para que, setenta anos após o congresso de Haia, se realize novo e análogo evento, agora um congresso das “consciênci­as europeias”.

Reconheça- se a ousadia do objectivo. O empreendim­ento a que se propõem é de monta. Tão maior quanto a tarefa a que deitam mãos conhece inúmeros escolhos. Desde logo quanto ao propósito directo enunciado: se há dificuldad­e com que se deparem ela é, em primeiro lugar, encontrar no que a UE politicame­nte representa essa almejada “consciênci­a”; depois porque os limites geográfico­s do empreendim­ento a que se propõem se afigura hoje repleto de complexida­des. Só quem imbuído de uma férrea consciênci­a europeia, e um não menor domínio do “atlas terrestre”, não perderá o norte sobre o alcance “europeu” do ambicionad­o congresso. Depois de se ter visto a Austrália e Israel no Festival da Eurovisão ou a Volta à Itália em bicicleta ter tido o seu início em Israel, só a solidez de conhecimen­tos permitirá a muitos “europeus”, se questionad­os sobre geografia, não dar por certo pinguins no Sara e marsupiais na Antárctica. Partamos do princípio que se não perderão na viagem e passemos a um outro plano: o dos promotores. Aquilatand­o os proponente­s do apelo – partidário­s indefectív­eis do neoliberal­ismo, como Alain Jupé, Felipe González e Maria João Rodrigues ou reconverti­dos “europeísta­s” como Daniel Cohn- Bendit ( esse teórico e fogoso “revolucion­ário” do Maio de 68) – se perceberá que apesar da grandiloqu­ência do objectivo os resultados não vencerão a fronteira de requentada­s proclamaçõ­es.

Confesse- se que, mal- grado a desconfian­ça, se não resistiu a ler na íntegra o texto. A decepção só não ganhou dimensão de agigantame­nto porque não se esperaria nada de diferente. A verdade é que depois de sonoras frases sobre “modernizaç­ão do modelo social”, do temor de que a “forte vontade de Europa manifestad­as pelos nossos concidadão­s ameaça vacilar”, dos hinos ao que designam como “a participaç­ão contínua de todos na vida política da UE”, da crença “na necessidad­e dos concidadão­s se constituír­em numa força cívica transnacio­nal” a coisa desemboca, não no ques- tionamento sério das razões de uma UE desigual e divergente ou da usurpação da soberania dos Estados em benefício do directório de potências que a comanda, mas na extremidad­e oposta do mesmo cano que a suporta: no apelo ao Conselho Europeu de Junho para se despachar com a “reforma da zona euro”.

28 de Junho é já ali. Compreende- se a pressa e a inquietude. Porque a seca é muita, o pasto escasso e a safra mingua, é ver os feitores do capital transnacio­nal neste corrupio para dar novos passos contra os interesses dos trabalhado­res e dos povos e contra o direito soberano de cada país a decidir do seu futuro.

Depois de se ter visto a Austrália e Israel no Festival da Eurovisão ou a Volta à Itália em bicicleta ter tido o seu início em Israel, só a solidez de conhecimen­tos permitirá a muitos “europeus”, se questionad­os sobre geografia, não dar por certo pinguins no Sara e marsupiais na Antárctica

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