VAN GRICHEN, O TREINADOR QUE FAZ DAS TENISTAS ESTRELAS
A primeira vez que pegou numa raqueta de ténis tinha 6 anos. Duas décadas mais tarde, recém- chegado aos Estados Unidos, conduzia Azarenka às vitórias e ao top 10 mundial. Hoje, à beira dos 40 anos, António van Grichen deixou de treinar mas continua a ado
À beira dos 40 anos deixou de treinar mas continua a adorar a vida na Florida e com Portugal sempre no horizonte.
Com apenas 26 anos, já fixado nos Estados Unidos, o destino de uma bielorrussa promissora com menos uma década do que ele era entregue nas mãos de António van Grichen. Em pouco mais de um par de anos, a jovem promessa do ténis cotada em 220 no ranking mundial tornava- se Victoria Azarenka, reconhecida no mundo inteiro, depois de vencer o Masters de Miami frente a uma portentosa Serena Williams e de ascender ao top 10 do mundo.
Levar Azarenka ao topo em quatro anos foi, porém, pouco mais do que uma vírgula nos 39 anos de António van Grichen – a quem, faça- se o disclaimer, conheço de criança mas que não via há duas décadas, quando trocou Lisboa por Miami. De ascendência holandesa do lado do pai e espanhola da parte da mãe e fluente em espanhol ( estudou no Instituto Espanhol de Lisboa) e inglês, além do português de origem, era um miudito com apenas 6 anos quando pela primeira vez pegou numa raqueta. “Comecei no ténis por causa dos meus pais, que também jogavam e me pegaram este bichinho”, conta. “E a competição foi um processo muito natural.”
Claro que nesse caminho que o levaria a atravessar o Atlântico para se pro- fissionalizar na carreira escolhida o facto de ter “algum jeito e vencer torneios regionais ou nacionais desde muito novo” ajudou. Na sua estreia a representar Portugal em pares na Taça Davis ( ao lado de Emanuel Couto), daria luta frente a Tim Henman e Greg Rusedski. Ainda assim, aos 23 anos decidiu desviar- se do caminho de uma carreira de jogador profissional e pôr o curso de Educação Física a render noutros voos.
“Afastei- me da competição muito cedo, só um ano depois de ter jogado a Taça Davis, principalmente porque senti que queria enveredar por uma carreira de treinador. Tinha mais ou menos 25 anos quando me mudei para os Estados Unidos e entrei logo para a Hopman Tennis Academy ( que ganhou o nome do antigo campeão de ténis australiano), em Tampa.”
A chegada às Américas
Foi nessa reputadíssima escola sediada na Florida que Van Grichen arrancou a sua carreira de treinador, a conduzir miúdos entre os 14 e os 16 anos – que em meio ano de trabalho começaram a ganhar torneios. Foi também na Harry Hopman que se fez parceiro de treinos da antiga número um Jennifer Capriati.
Descreve esse percurso como “fruto de muita dedicação e disciplina”. “Os primeiros dois anos nos Estados Unidos fo-
“Não me arrependo de nada e sinto- me muito grato e concretizado pelo que consegui atingir como treinador”
ram os mais importantes para conseguir ter as oportunidades que tive. Muito antes de trabalhar com a Victoria Azarenka e até com a Capriati, fiz de tudo. Desde trabalhar com adultos, jovens adultos, crianças e dar aulas de grupo, até treinos particulares ou mesmo liderar um grupo de treinadores e 30 atletas.”
Conta que desses tempos quase só tem memórias de estar no court de ténis. “Felizmente alguns dos atletas com quem trabalhava conseguiram atingir resultados a nível internacional bastante interessantes, o que me deu alguma credibilidade como treinador.” Não é falsa modéstia, é mesmo feitio, a mesma maneira de ser que o leva a admitir que até é bastante reconhecido – “ou pelo menos fui, na altura em que estava a tempo inteiro no circuito” – mas que esse reconhecimento que conquistou nos media nacionais e internacionais “não é uma prioridade”. “Para mim, o que importa mesmo é eu estar realizado com o meu trabalho.” Neste momento, isso passa muito mais ao lado do court. “Agora estou a viver em Delray Beach, na zona sul do estado da Florida. Tenho estado fora do circuito WTA- ATP ( senhoras) e estou a trabalhar com alguns jogadores do escalão júnior e sobretudo a fazer consultoria.” No seu currículo de consultor conta, por exemplo, a Tennis Australia e a Associação de Ténis Chinesa.
Porquê as Américas, quando as suas raízes se espalhavam pela Europa? A razão é simples, quando Estados Unidos e Espanha dominavam o ténis mundial. “Estava a precisar de novos desafios na minha vida profissional e pessoal. A nível profissional já tinha estado a viver em Espanha, já tinha absorvido toda a mentalidade e metodologia de treino e sentia que se fizesse o mesmo nos Estados Unidos iria aprender ainda mais e tornar- me um treinador mais completo.”
Uma nova vida
Apesar de bastante jovem e a viver sozinho num país que não conhecia se não do cinema e da televisão – sobretudo dos Grand Slams transmitidos por canais internacionais que a parabólica nos fazia chegar nos anos 1980 –, garante que se ambientou sem grande esforço à sua nova vida, mas sentiu falta de quem aqui o apoiava. “Adaptei- me rapidamente porque ia de mente muito aberta para trabalhar e melhorar. Mas sem dúvida que houve momentos mais difíceis, principalmente porque se está muito longe da família e dos amigos.”
Nada que o tenha desanimado ou afastado dos objetivos que traçara na partida, de ter uma carreira de treinador relevante. Aliás, quando lhe pergunto sobre a sua maior conquista nestes últi- mos 15 anos, responde sem hesitações. “Foi todo o processo pelo qual passei desde que decidi viajar para os Estados Unidos até agora.” Quanto aos sucessos e títulos conquistados nos Grand Slams bem como na WTA, “foram como que a cereja no topo do bolo”.
Destaca, ainda assim, o trabalho feito com algumas jogadoras, incluindo a russa Vera Zvonareva ( número 2 do mundo), a sérvia Ana Ivanovic e a canadiana Eugenie Bouchard, mas diz ser impossível indicar um nome em particular em cuja carreira lhe dê especial orgulho ter tido um papel fundamental. “O que posso dizer é que gosto de trabalhar com atletas com ambição e que estejam dispostos a sofrer de uma forma positiva física e mentalmente.” Terá sido esse empenho e exigência que o ajudou a empurrar também Azarenka escada acima: quando deixou de a treinar, quatro anos depois de começar a trabalhar com ela, a bielorrussa acumulava vitórias e ocupava o número 6 do mundo em singulares, estando apenas um degrau abaixo em pares.
Voltar, sempre, mas só de férias
À beira de fazer 40 anos ( 3 de outubro é a data certa), António van Grichen diz- se um homem de poucas necessidades e gostos bastante simples. “Não preciso de grandes luxos, basicamente gosto da estar na praia, surfar, estar em contacto com natureza”, confessa. Há porém algo que não dispensa sempre que tem oportunidade: “Estar com amigos em Lisboa.” Se nesta fase da vida Portugal ainda é para ele um destino de férias – ainda que indispensável – e os Estados Unidos a sua casa, assume que “voltar a Portugal está sempre na minha mente. Mas tem de ser num projeto que faça sentido”, reconhece.
Quanto ao que tem conseguido realizar, garante que não se arrepende de nada no seu percurso. “Sinto- me muito agradecido e concretizado por tudo o que consegui atingir enquanto treinador”, conclui.
Neste momento, o plano de António van Grichen é ficar por Miami e ir experimentando o que a vida americana ainda tem para lhe oferecer. “Não tenho planos para o futuro, o mais importante agora para mim é aproveitar cada dia ao máximo”, diz. Mas sublinha que entre esses projetos há um de que não abdica: “Tentar passar o máximo de tempo em Portugal.”