Lei de Bases obriga políticos a escolher o SNS que querem
Há uma proposta de lei de bases da Saúde que vai a discussão no Parlamento a 22 de junho. É uma lei que assusta os políticos? É uma questão essencialmente política. Quando na segunda metade do ano passado António Arnaut e João Semedo anunciaram que estavam a preparar uma proposta de lei de bases da Saúde, foi uma pedrada no charco. Há quase 30 anos que não ouvíamos falar disso. E as respostas foram várias. Primeiro, não é preciso; segundo, a que está, está muito bem, obrigado; terceiro, talvez valha a pena pensar outra vez nisto, quase 30 anos depois. Há quem tenha pensado, “isto já lhes passa”. Quando em janeiro é apresentado o livro Salvar o SNS, aprimeira coisa que se tornou evidente foi que os seus autores não são “quaisquer pessoas”. Estamos a falar de cidadãos exemplares com um nível de integridade intelectual, moral e cívica superior. E temos de nos interrogar por que razão a uma proposta sobre uma nova Lei de Bases deram o nome Salvar o SNS. Deve querer dizer alguma coisa, não é por acaso, não é inocente. Então... Tem uma razão muito clara, incómoda mas clara. Porque há de facto duas conceções sobre o sistema de saúde português e os políticos vão ter de escolher. A primeira conceção parte do princípio de que o SNS resulta de uma política pública maior e que o Estado vai pôr todos os seus recursos e inteligência para que seja o melhor possível. Logo, uma consequência imediata é a de que o financiamento da saúde primeiramente tem de fazer isso. Tem de assegurar que temos o melhor SNS possível. E só depois, secundariamente, o Estado financiará o setor social e o privado, e na medida em que, além do seu território e recursos próprios, eles podem trazer ao sistema de saúde contribuições que acrescem naquilo que o SNS faz. Nada mais útil e claro. Mas há quem considere que a proposta de Arnaut e Semedo vai contra o setor privado... Não é verdade. Não há nenhuma pessoa que conheça um pouco do mundo onde vivemos que não perceba que todos os sistemas de saúde pelo mundo fora têm um setor público, social e privado. Mas há de facto em alguns setores da sociedade portuguesa uma conceção alternativa àquela que enunciei. Pode resumir-se da seguinte forma: o SNS e o setor privado situam-se no mesmo nível, estão nas mesmas circunstâncias e enquanto competidores concorrendo ao financiamento público. É como se não houvesse uma política pública maior, até de base constitucional, que deve assegurar o desenvolvimento de um SNS de qualidade, mas que o destino deste deve jogar-se num hipotético “mercado aberto”. E agora imagine o que é ser servido por um hospital moribundo às mãos desse “mercado aberto”. Perdemse clientes, dinheiro, qualidade e vai-se fechando progressivamente. Tal não pode ter outra consequência que não seja degradar progressivamente o SNS, empobrecendo-o, reduzindo-o até cobrir só aquelas áreas que não interessam ao setor privado lucrativo e ao social. Fazer escolhas em serviços de saúde no âmbito de um contrato social baseado na ideia de que cada um contribui à medida das suas possibilidades para receber à medida das suas necessidades não tem nada que ver com a lógica da escola individual das mobílias que gostamos ou dos restaurante que nos apetece. Como está não pode continuar... Uma das virtualidades da discussão da Lei de Bases é obrigar os agentes políticos e os cidadãos em geral, por consequência, a tomar posição perante as duas conceções acima enunciadas. Eo timing é agora? Eu insisto. Precisamos de transformar o SNS, e isso só pode ser efetivamente lançado no princípio de uma legislatura, em 2020-21. Não devemos chegar a esta altura ainda a discutir uma Lei de Bases. Nessa altura são precisas decisões e mudanças estruturais. É uma discussão difícil e o tempo é escasso para definir objetivos com mais precisão e decidir exatamente como se faz. Tudo depende de uma boa preparação para lançar a transformação do SNS na próxima legislatura.
“O que me impressiona é que todos os dias saem pessoas do SNS e não há reação. É preciso, é urgente, estancar isso” “Disse aos deputados que uma vez que os requisitos para avançar com a mudança não se verificavam suficientemente, era preferível ficar a trabalhar na mesma agenda mas fora do ministério.”