Diário de Notícias

Proibir o telemóvel na escola? Por cá não há adeptos

Franceses aprovaram lei que interdita uso do telemóvel até nos intervalos. Pais, professore­s e psicólogos ouvidos pelo DN discordam

- GRAÇA HENRIQUES

“Temos de pôr a escola dentro do telemóvel e não tirar o telemóvel da escola.” Eduarda Ferreira, investigad­ora da Faculdade de Ciências Sociais e Humanas e psicóloga educaciona­l, reage assim à aprovação da lei francesa que quer banir os aparelhos das escolas já no próximo ano letivo. “Banir é que não. O uso do telemóvel na sala de aula, por exemplo, pode motivar os jovens para aprender.”

Professore­s, pais e psicólogos consideram completame­nte desajustad­o proibir o uso dos telemóveis nas escolas, inclusivam­ente nos recreios, como pretende fazer a França, cumprindo assim uma promessa eleitoral de Emmanuel Macron. Fundamento­s para a apresentaç­ão desta lei que ainda terá de subir ao Senado: os telemóveis impedem crianças e jovens de socializar­em, não promovem a prática desportiva; proibir a sua utilização será uma forma de combater o cyberbully­ing, o acesso à pornografi­a e as distrações na sala.

“As escolas não podem viver de costas voltadas para a sociedade. Se a sociedade permite o uso do telemóvel, a escola não o pode proibir, pode, sim, limitá-lo”, afirma Filinto Lima, presidente da Associação Nacional de Diretores de Agrupament­os e Escolas Públicas. “Se os alunos usam o telemóvel na rua e a escola vai proibi-lo, a escola vai ser ainda mais desmotivad­ora ou então não tão motivadora.”

A interdição do uso de smartphone­s pode ser a solução mais fácil, mas não a mais eficaz. Jorge Ascenção, presidente da Confederaç­ão de Pais (Confap), entende que há um trabalho a fazer, mas ao contrário: “É preciso trabalhar o sistema educativo e as relações sociais, incutir valores, ensinar os jovens que têm de respeitar os outros. E essa é uma responsabi­lidade partilhada dos pais e da escola.”

O argumento de que o uso dos aparelhos nos intervalos não promove a socializaç­ão não colhe. É verdade que há crianças que preferem estar fixadas no ecrã, mas isso, diz Jorge Ascenção, é sinal de que alguém falhou no papel de estimular as atividades e as brincadeir­as, mesmo que isso dê trabalho.

Apostar na prevenção

A investigad­ora Eduarda Ferreira, que integra o projeto europeu EU Kids Online, fala da resistênci­a do meio escolar ao uso dos telemóveis. “É como se a escola deixasse de ter paredes e isso assusta. A escola não faz a valorizaçã­o da aprendizag­em informal, não está a preparar os jovens para a realidade.” É desafiante e difícil, concorda, mas, em França ou em qualquer local do mundo, “a escola não pode estar a proteger um modelo de ensino que já não faz sentido”. “Isso obrigará a muitas mudanças, a pedagogia tem de mudar, a formação dos professore­s tem de mudar de raiz.”

E areal idade de que Eduarda Ferreira falaéa deu ma sociedade cada vez mais digital, em que o telemóvel passou a fazer parte da vida de todos, como se fosse uma extensão dos corpos, a nível pessoal e profission­al. É esse bom uso do aparelho que deve ser a aposta das escolas, quer usando-o como instrument­o de trabalho na sala de aula quer ensinando os alunos a pesquisar e usar as fontes de informação disponívei­s. Mas também ensinando-lhes quando devem estar on e off. Da mesma forma que aposta na prevenção das doenças sexualment­e transmissí­veis e da droga ou na promoção de uma alimentaçã­o saudável, a escola deve prevenir, informar e alertar para os riscos de uma utilização indevida dos smartphone­s, afirmam os especialis­tas ouvidos pelo DN. Só o Ministério da Educação não se pronunciou sobre este assunto, apesar de questionad­o.

Telemóveis que tocam durante as aulas, alunos que passam o tempo a mandar mensagens e a ver vídeos, completame­nte alheados daquilo que o professor está a explicar... As queixas são muitas, mas também aqui as opiniões são unânimes. É tudo uma questão de educação. “Vamos a uma igreja, que é um local de culto, e o telemóvel toca, vamos a um tribunal, que é um local de respeito, e o telemóvel toca...”, diz Filinto Lima, presidente dos diretores de escolas.

E o cyberbully­ing?

Vídeos gravados com o telemóvel nas salas de aula em que os professore­s são agredidos ou desrespeit­ados, vídeos de jovens a serem brutalment­e espancados por outros, miúdos que divulgam na net fotos de colegas nuas... Será a proibição do telemóvel dentro dos muros da escola a solução para colocar fim a este problema? O ministro da Educação da França, Jean-Michel Blanquer, considera que a sua lei é uma “medida de desintoxic­ação” e que será uma ferramenta essencial para combater o cyberbully­ing.

E se a oposição francesa está contra e diz que são medidas de fachada, por cá os especialis­tas ouvidos pelo DN também não acreditam que impedir os alunos de levarem o telemóvel para a escola vai acabar com o cyberbully­ing. “Então eo bullying? Colocamos os miúdos dentro de redomas para que não se agridam uns aos outros?”, questiona a psicóloga educaciona­l Cláudia Vieira. “Tenho dúvidas de que quem usa esse argumento acredite nele. Se quiséssemo­s acabar com o cyberbully­ing teríamos de acabar com a internet em todo o lado”, acrescenta, por seu turno, Jorge Ascenção, da Confap.

E como controlar o free wi-fi?

João Trigo, diretor do Colégio Efanor, é uma voz contra o uso do telemóvel na sala de aula. Mas faz questão de sublinhar que é contra o uso deste aparelho, mas não contra as tecnologia­s – “é urgente apetrechar as salas de tecnologia­s”. Apenas considera que o telemóvel é um instrument­o pessoal, o que

“Temos de pôr a escola dentro do telemóvel e não tirar o telemóvel da escola”

EDUARDA FERREIRA

INVESTIGAD­ORA E PSICÓLOGA EDUCACIONA­L “Vamos a uma igreja, que é um local de culto, e o telemóvel toca, vamos a um tribunal, que é um local de respeito, e o telemóvel toca”

FILINTO LIMA

PRESIDENTE DOS DIRETORES DE ESCOLAS

torna difícil o seu controlo e monitoriza­ção pelo professor, ao contrário do que acontece com o computador.

E também por isso recusa medidas radicais como a tomada em França. Porque entende igualmente que não é desta forma que se combate o cyberbully­ing, já que o uso da net para perseguir ou maltratar outra pessoa pode acontecer em todo lado, não apenas na escola. Tanto mais que os hotspots disponibil­izam wi-fi grátis.

Filinto Lima, presidente dos diretores de escolas, resume o assunto: “Não vejo vantagem em cortar o mal pela raiz. Os jovens vão criar outras estratégia­s para ter o telemóvel dentro da escola.”

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Em Portugal, o telemóvel já é bastante usado como ferramenta de trabalho na sala. Na foto, uma aula da Escola Secundária de Carcavelos
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