Mingyur Rinpoche “A meditação não é uma forma de escape”
Na era da tecnologia e da vida toda nos telemóveis, Yongey Mingyur Rinpoche considera que é bastante difícil transformar hábitos adquiridos. Difícil mas não impossível. “Se queremos construir um novo hábito, isso levará 30 dias. Tenta-se mudar pouco a pou
Yongey Mingyur Rinpoche, que respondeu a perguntas do DN enviadas através de e-mail, vai estar em Portugal entre 5 e 8 de julho para três conferências sobre meditação na Faculdade de Medicina Dentária da Universidade de Lisboa. A organização é da Fundação Kangyur Rinpoche, da Songtsen – Casa da Cultura do Tibete e da União Budista Portuguesa.
Vai estar em Lisboa em julho.“A essência da meditação” é uma das suas conferências. Porque é a meditação importante na nossa vida? O que mais valorizamos na nossa vida é o bem-estar, a felicidade, a satisfação, a alegria. E é o que buscamos. E como se desenvolve essa sensação? Não através de coisas materiais ou circunstâncias externas, mas sim do desenvolvimento interior. Há muitas pessoas que acreditam ser possível obter algum grau de felicidade a partir das circunstâncias externas ou de coisas materiais. Quando não têm algo pensam, “se eu conseguir obter isto, serei feliz!” E depois de alcançar o objetivo e a experiência pretendida, “oh, não era o que estava à espera, deve haver algo mais…” E gera-se um círculo vicioso. A verdadeira felicidade vem de dentro, de trabalhar com a própria mente. E como se trabalha então a mente? Através da técnica de meditação. Como explica o crescente interesse na meditação e no yoga no chamado mundo ocidental? As pessoas estão a perceber que a sua programação cultural e social não contém as respostas que procuram? As pessoas estão à procura de resposta, à procura de dar sentido à própria vida. Mas a verdadeira resposta não surge das circunstâncias exteriores. A mente precisa de olhar para dentro. Por exemplo: quando era mais novo tinha ataques de pânico. Não era feliz. Tinha aquele medo dentro de mim e tentava encontrar soluções. Tinha 8 ou 9 anos. Como estava na minha terra natal, tentava esquecer os meus pânicos a brincar com os meus amigos. Tentava fazer coisas interessantes… mas o pânico seguia-me, para onde quer que fosse. A certa altura acabei por pedir ao meu pai, que me ensirante. nasse a meditar. E foi então que o meu pai me disse: “Não lutes com o pânico, aceita-o e enfrenta-o!” E foi assim que aprendi técnicas de meditação, para enfrentar o meu pânico, aceitá-lo, e observá-lo até ele se tornar meu amigo e meu professor. E penso que é assim que são as respostas principais. A verdadeira resposta está dentro de cada um. Entre 2011 e 2015 desapareceu e andou num retiro errante. Porque sentiu essa necessidade e o que aprendeu com essa experiência? Num retiro errante deixa-se tudo de lado, pronto para enfrentar desafios. Ir para sítios, ambientes, climas, circunstâncias diferentes. O que aprendi neste retiro… No começo foi muito difícil, sentia-me envergonhado pois nunca tinha andado pelas ruas daquela forma. Mas na verdade dei-me conta de que era um dos melhores momentos da minha vida. Aprendi que ainda que tivesse tentado aprender sobre meditação antes, tenho muitas camadas de apego, fixações… Então deixava ir, deixava ir, é como descascar uma cebola. É realmente interessante passar por este processo. A segunda coisa é que aprendi muito sobre a vida. Cresci no seio de uma boa família, depois fui para o mosteiro e nunca saí da minha zona de conforto. E quando parti para este retiro tive de começar tudo do zero. Tive de aprender a fazer fogo, cozinhar, mendigar, sobreviver, tantas coisas. E tudo isto é realmente muito benéfico para a minha vida. Contou que, durante esse tempo, teve uma experiência de quase morte. O que diria a pessoas que já tiveram essa experiência? Por que razão têm uma segunda oportunidade? No primeiro mês do meu retiro errante quase que perdi a vida. Estive neste estado algumas horas – talvez oito, nove horas – e depois voltei. Quando voltei sentia muita gratidão e apreço. Antes, quando estava na rua sentia que não pertencia ali, sentia-me muito envergonhado, tudo estava sujo. Mas quando retornei dessa experiência, a rua tornou-se como a minha casa. Não é preciso morrer! Nas nossas vidas temos muitas pequenas mortes. Por vezes as crianças quando são pequenas têm de deixar as suas famílias, os jovens quando têm cerca de 18 anos costumam sair de casa dos pais. E isso é o mesmo que ser er- E quando se perde um emprego também é uma boa oportunidade, quando se termina um relacionamento, outra grande oportunidade! Este tipo de “momentos-entre” são muito raros e se pudermos utilizar essas oportunidades para realmente ver o potencial ilimitado de nossa mente, o nosso potencial e crescermos, isso é realmente importante. Pode tudo isto ser considerado um mecanismo de escape? Porque têm as pessoas medo de estar sozinhas, em silêncio, com a sua consciência, porque temem o seu reflexo? Não considero a meditação uma forma de escape. A meditação requer que se enfrente. Naturalmente que no início é bastante desconfortável. Estar consigo mesmo, aceitar o que existe dentro de si próprio, o que existe à sua volta, isso não é assim tão fácil. Mas na verdade não se é assim tão mau. Neste sentido a meditação não é uma fuga, não se trata de ignorar os pensamentos, as emoções, negar o stress ou fugir de algo, não é isso. Consiste apenas em procurar a raiz do medo, do stress, do que sentimos, das emoções e todas essas coisas. Mas às vezes as pessoas não sabem e é por isso que quando se está a meditar surge o sentimento de solidão e a vontade de ir à procura de estímulos no exterior. Está a perder-se a humanidade? A culpa disso é só da tecnologia? O que pode ser feito? O problema é que nós desenvolvemos hábitos. Utilizamos constantemente o telefone e depois criamos um hábito, e depois este hábito instala-se no corpo, dentro dos nervos, das células. Em relação a este tipo de hábitos, transformá-los é bastante difícil. Mas precisamos de nos conduzir, e se queremos construir um novo hábito, isso levará 30 dias. Então tenta-se mudar pouco a pouco, devagar, construindo lentamente um novo hábito durante 30 dias. E depois de 30 dias será fácil. Precisamos construir mais interações humanas, comunicação. É importante ouvirmo-nos uns aos outros. É realmente importante transformarmo-nos individualmente e fazermos amizades. Por vezes ensino meditação em empresas e em algumas organizações. Digo-lhes que o mais importante é a amizade, a relação humana. O trabalho é a segunda prioridade, a primeira é a amizade. E quando existe amizade, o trabalho torna-se automaticamente bem-sucedido.