Há uma escola em Lousada que funciona como uma república
Alunos têm assembleias de turma e um plenário. Têm voz e decidem sobre a vida escolar. A República dos Jovens valeu uma distinção à Escola Básica e Secundária de Lousada Oeste
Com a turma do 8.º A toda reunida na sala, Sofia iniciou a assembleia. No papel de moderadora, a aluna recordou as iniciativas debatidas e decididas por este grupo da Escola Básica e Secundária de Lousada Oeste ao longo dos três períodos letivos, com propostas como a substituição dos cacifos, a necessidade de melhores condições de higiene ou a melhoria de equipamentos, como cadeiras. “Para o orçamento participativo da escola votámos a melhoria dos balneários, mas como estava fora do orçamento propusemos a compra de uma mesa de pingue-pongue.”
Esta reunião dos alunos de uma das 30 turmas desta escola de Lousada é um dos exemplos de como funciona a República dos Jovens, um projeto iniciado neste ano letivo em que os alunos são chamados a ter um papel ativo na discussão e decisão da vida escolar, ganhando uma dimensão cívica e participativa para um futuro democrático. Foram um dos mais de mil candidatos ao prémio Escola Amiga da Criança, iniciativa lançada pela Confap em parceria com a Leya Educação e acabaram por ser distinguidos pelo júri com o primeiro prémio.
“O projeto foi implantado no ano passado, posto em prática neste ano letivo, depois de já terem existido algumas experiências na escola. Há uma preocupação de ouvir os alunos, ouvir a comunidade”, explica Alexandre Reis, o professor que coordena o projeto República dos Jovens. Participação democrática A ideia foi ter uma república, com um parlamento próprio, um plenário, uma constituição, em que os jovens se organizam e participam na metodologia de funcionamento. “O objetivo principal é promover a participação democrática dos alunos. Fazê-los sentir que fazem parte da escola, não só nos deveres, mas também nos direitos e nas tomadas de decisão”, diz o professor de música.
No 8.ºA, Tatiana Baptista é uma das guias e diz que o melhor desta república é “poder dar a opinião”. Acrescenta que aprende agora para “quando tiver 18 anos entrar no mundo democrático”. Ao lado, Viviana Peixoto não se sente mais importante por ser guia – “somos um coletivo, uma turma” – e admite que se sente um pouco como um político. “Não que eu queira ser, mas sei que é importante a participação democrática.”
Tudo isto estava em prática quando tomaram conhecimento da iniciativa da Confederação Nacional das Associações de Pais (Confap), em que foram agora distinguidos com o prémio de 5000 euros em livros.
Chegar a todos é essencial. Todas as turmas, e são 30, participam, sejam do 5.º ou do 12.º ano, com quase 700 alunos envolvidos. Em cada turma há uma assembleia em que todos participam, com o professor diretor de turma. Elegem aí os guias da turma que podem ser entre três e cinco alunos que vão integrar o Conselho de Guias, o “órgão mais restrito, mais confidencial e de maior confiança entre alunos e diretor de turma”. Daqui sairá o guia dos guias, um por turma, que irá integrar a Assembleia Geral.
Decidem mesmo sobre a vida da escola. E Alexandre Reis dá um exemplo que classifica como simbólico. A direção da escola tinha proibido a circulação nos corredores com comida. “Havia muito lixo.” Os alunos não se conformaram e, conta Alexandre Reis, “votaram para essa regra deixar de existir”. A escola aceitou e o resultado foi positivo: apesar de poderem comer quando se movimentam no interior do edifício, o lixo quase desapareceu devido a um melhor comportamento dos estudantes.
Além de apresentarem propostas para Orçamento Participativo da escola, os alunos beneficiam de outras atividades cívicas, com parcerias com diversas instituições da sociedade civil, em diferentes áreas. Há mais projetos de prevenção do bullying e o Justiça para Todos, em que os alunos do 12.º ano podem conhecer melhor o mundo da justiça e terem assim melhor informação para poderem optar por um curso superior.
É o caso de Francisco Torres, o guia dos guias do 12.º B. Pretende ir para um curso de Direito. “O Justiça para Todos foi importante para os alunos que querem seguir Direito. Ficamos mais informados sobre a área. Esta República dos Jovens mudou o ritmo desta escola”, aponta. O professor Carlos Ferreira, diretor desta turma, dá o exemplo da orientação vocacional como um dos sucessos. “Nesta turma só três dos 18 alunos tinham uma ideia do que iriam fazer no final do ano. E conseguimos, com as psicólogas da escola, definir ideias, seja a ida para a universidade ou outro objetivo profissional.” Bandeira azul das escolas A primeira edição foi um sucesso e superou as expectativas. Candidataram-se mais de mil projetos e 495 foram distinguidos com o selo Amiga das Crianças. “É a prova de que em Portugal se fazem coisas muito interessantes nas escolas”, disse Jorge Ascenção, presidente da Confap, adiantando que a ideia partiu do psicólogo Eduardo Sá.
“A ideia foi fugir aos rankings e dar a conhecer projetos em que haja uma preocupação para a criança se sentir bem na escola e assim aprender”, sintetiza Jorge Ascenção, um dos elementos do júri, tal como Eduardo Sá e Isabel Alçada, entre outros. A segunda edição já está a ser pensada e o líder da Confap admite que possa ser criada uma bandeira – como nas praias – para que as escolas que desenvolvam estes projetos se sintam mais valorizadas.