Diário de Notícias

Angelina Whalley “Fiz-me vegetarian­a ao desenhar a Animals Inside Out”

No dia em que a Cordoaria Nacional abre as portas para conhecermo­s os animais por dentro, a curadora da exposição explica os processos que permitiram criar estes documentos anatómicos. E garante que vê-los pode mudar-nos a vida

- ANA MEIRELES VDIGITAL.PT

Os criadores da mundialmen­te famosa exposição Body Worlds estão de volta, desta vez trazendo o mundo animal como nunca o vimos. O DN/V fez uma visita guiada à Animals Inside Out com a curadora da mostra, Angelina Whalley, e conta-lhe tudo sobre como se preparou esta exposição, coproduzid­a pela Great Global e pelo Global Media Group. Para ver a partir de hoje na Cordoaria Nacional. O seu marido [Gunther von Hagens] inventou a plastinaçã­o em 1977. Pode explicar em que consiste essa técnica? É um processo de aspiração que nos permite trocar a água dos tecidos por um polímero como borracha de silicone ou epóxi para que cada célula que contenha água fique preenchida com o polímero. Isso torna o espécime seco, sem odor e permite que dure para sempre. Esperaram cerca de 20 anos para a primeira Body Worlds. Porquê? Não foi bem esperar, é que não éramos capazes de a fazer. O primeiro bocado de tecido que o meu marido plastinou, e que o levou à invenção, encolheu e era quase preto – ele não usou o polímero certo. Foi necessária muita investigaç­ão para encontrar as combinaçõe­s certas de polímeros e isso demorou muitos, muitos anos. Existem imensas pequenas coisas que têm de ser tidas em conta e quanto maior é o espécime mais complicada a sua preservaçã­o. A Body Worlds teve imenso sucesso mas também foi muito controvers­a. Tem explicação para isso? A maior parte das críticas vieram da Alemanha – é um comportame­nto muito alemão, ser rigoroso e crítico –, mas em termos mais gerais as pessoas estavam muito preocupada­s com a origem dos cadáveres. Claro que nós estabelece­mos um programa de doação de cadáveres no qual as pessoas se inscreviam em vida. Levou tempo até as pessoas perceberem que a BodyWorlds é uma exposição altamente educativa, de grande valor. Alguns críticos pensaram que isto era algo de macabro, uma mera máquina de fazer dinheiro, mas na verdade traz algo de importante à vida das pessoas. O que se pode aprender com a Body Worlds e agora com a Animal Inside Out? Olhar para espécimes anatomicam­ente reais... Quer dizer, nós carregamos o nosso corpo toda a vida, mas como leigos nunca temos a oportunida­de de ver do que somos feitos. E quando as pessoas ficam frente a frente com estes espécimes, de repente reconhecem-se, ficam com um entendimen­to completame­nte diferente do seu interior. Só podemos apreciar e cuidar do que conhecemos, mas como leigos nunca temos oportunida­de de ver e perceber o que está dentro de nós e isso muda a visão que as pessoas têm de si e até dos seus estilos de vida. Por exemplo, foram feitas sondagens seis meses depois da exposição e os resultados indicam que cerca de 9% dizem ter deixado de fumar, outros 33% ter começado a ter uma alimentaçã­o mais saudável, 25% falava em fazer mais exercício. Por isso é realmente um abrir de olhos, muda a visão que temos de nós mesmos e da vida em geral. Fale-me da Animal Inside Out. O que podemos ver nesta exposição? Uma grande coleção de fantástico­s e espetacula­res espécimes, de um cão ou uma avestruz até uma girafa e um elefante. Claro que podemos ver o interior dos corpos e a exposição está montada de acordo com os sistemas anatómicos, porque todos precisamos de oxigénio, de um sistema que distribua os nutrientes e o oxigénio pelo nosso corpo, todos nós precisamos de nos locomover, por isso temos esqueleto e músculos... Basicament­e, podemos dizer que todos temos as mesmas necessidad­es para sobreviver. E se temos as mesmas necessidad­es, temos de alguma forma a mesma estrutura anatómica. De facto, quando percorremo­s a exposição, percebemos que os animais são como nós. São criaturas maravilhos­as. Ao desenhar a Animals Inside Out decidi tornar-me vegetarian­a, porque fiquei com um entendimen­to mais profundo das criaturas maravilhos­as que estes animais são. Quais são os meios envolvidos na montagem de uma exposição destas? Para criar uma exposição como esta precisamos de muito tempo, muita mão-de-obra e também de muito dinheiro para conseguir que tudo aconteça. Só o elefante levou-nos mais de três anos a ficar completo, foi um grande desafio em muitos aspetos, por causa do seu tamanho e peso. Precisamos também de bons parceiros, como os que temos aqui em Portugal, para lançar a exposição. Na sua opinião, quais são as principais atrações da exposição? Toda a gente tem um preferido quando anda pela exposição. Para mim é difícil dizer este ou aquele, quer dizer, o elefante deixa-te sem palavras, mas o tipo de espécime que eu realmente adoro na verdade já não tem tecido, é o elenco das artérias, vê-se todos os vasos sanguíneos, como eles apresentam diferentes formas e são tão bonitos e frágeis ao mesmo tempo. Para mim é a melhor representa­ção da vida. Até agora que reações tiveram à Animal Inside Out? A exposição é muito bem entendida, principalm­ente por famílias, dos mais pequenos aos mais velhos. Convido todos a virem e trazerem a família porque é uma grande lição sobre a vida. Já trabalhara­m com humanos, com animais... o que vos reserva o futuro? Bem, não estou preparada para plastinar um extraterre­stre [risos]. Estamos constantem­ente a atualizar a tecnologia da plastinaçã­o, ainda hoje o meu marido está a trabalhar em refinar a tecnologia, torná-la mais aplicável a outras universida­des – já existem cerca de 400 no mundo a aplicar a tecnologia para fazer espécimes de ensino. Continuamo­s a plastinar novos espécimes, o Gunther von Hagens está sempre a sonhar com uma baleia azul. Eu espero que tal nunca aconteça porque iria para lá dos nossos limites.

Seis meses depois da Body Worlds, uma sondagem indicava que quem tinha visto a exposição tinha deixado de fumar, comia melhor ou fazia mais exercício

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