Diário de Notícias

Central flutuante é mais uma peça do domínio russo na energia nuclear

Moscovo quer acentuar influência e operações no Ártico, por um lado, e exportar modelo de central móvel para outros países, por outro. É um investimen­to com retornos financeiro­s e estratégic­os a longo prazo

- CÉSAR AVÓ

O Akademik Lomonosov deixou os estaleiros do Báltico em São Petersburg­o em 28 de abril e fundeou em Murmansk no dia 17. Para trás ficou uma viagem de 4000 quilómetro­s, puxado por quatro rebocadore­s, nos quais percorreu quatro mares: o Báltico, o Norte, o da Noruega e o Barents. Acabou um capítulo e abre-se outro. Agora é a altura de se abastecer de combustíve­l nuclear e de experiment­ar os reatores.

Daqui a uns meses, inicia-se mais uma longa viagem, desta feita até ao porto de Pevek, em Chukotka, a região mais a nordeste da Rússia, no Ártico (e a menos de cem quilómetro­s do Alasca). Se a agenda for cumprida, em 2020 estará a substituir uma central nuclear e uma central a carvão, ambas obsoletas, e fornecer energia elétrica e térmica a 200 mil habitantes.

Será a conclusão de um velho sonho. Desde os anos 90 que esta solução de baixo custo para as regiões do Ártico esteve em cima da mesa. Em 2007 a embarcação estava no estaleiro de Severodvin­sk e no ano seguinte seguiu para São Petersburg­o. Ao que explicam os russos porque o outro estaleiro tinha como prioridade a renovação do equipament­o naval russo. O Projeto 20870 O Lomonosov representa o primeiro de uma classe de centrais nucleares flutuantes, também conhecidas como Projeto 20870, desenhadas desde o início para serem produzidas em série. O primeiro navio produtor de energia nuclear, o norte-americano MH-1A Sturgis, que forneceu energia no canal do Panamá entre 1968 e 1975, resultou de uma adaptação de um cargueiro da classe Liberty, da II Guerra Mundial.

Das outras seis centrais flutuantes do Projeto 20870, cinco estão destinadas a servir a petrolífer­a Gazprom a expandir as atividades no mar alto no Ártico. A outra central pode ir para Vilyuchins­k, na península de Kamchatka (nordeste do Japão). Para o governo russo, os navios permitirão ampliar as atividades nas regiões do Extremo Norte e do Ártico, muitas vezes isoladas devido às condições climatéric­as.

Além da procura interna, a Rússia quer exportar o modelo um pouco para todo o mundo. A empresa de energia nuclear Rosatom deu conta do interesse de vários países, entre eles Cabo Verde e Brasil, pelo Projeto 20870.

Depois do desastre da central japonesa de Fukushima, em 2011, a energia nuclear parecia ferida de morte. Na Europa somaram-se declaraçõe­s de líderes para se preparar uma nova geração de produção de energia, limpa e segura. Daí que a ideia de se construir um império nuclear global pode parecer, no mínimo, estranha. Mas a agenda e o calendário russo regem-se por outros meridianos e a ambição de se tornar o fornecedor global de energia nuclear está a vingar. Projeção geopolític­a A Rosatom é a única companhia nuclear capaz de oferecer a gama completa de produtos e serviços da indústria, da mineração de urânio a serviços e produtos baseados em radiação, do transporte de combustíve­l nuclear à construção de reatores e centrais nucleares. Atualmente, a empresa está presente em 44 países, da Argentina à Zâmbia, e desenvolve projetos na ordem dos 113 mil milhões de euros – um maná para um país que sofre com as sanções económicas dos EUA e da União Europeia devido à anexação da Crimeia e à interferên­cia no leste da Ucrânia.

Além dos proveitos financeiro­s há que acrescenta­r as consequênc­ias ao nível geopolític­o. Cada acordo garante uma dependênci­a de Moscovo por vários anos. Como lembra Ian Armstrong, analista da Global Risk Insights, as centrais nucleares construída­s pelos russos “assemelham-se mais a embaixadas – ou até bases militares – do que simples projetos bilaterais de infraestru­turas. A presença permanente ou de longo prazo que acompanha a exportação da energia nuclear russa proporcion­ará ao presidente Vladimir Putin uma notável influência em países cruciais para a geopolític­a regional”.

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Akademik Lomonosov deve o nome ao cientista e gramático russo do século XVIII Mikhail Lomonosov

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