Diário de Notícias

Gaspard Ulliel “O desejo não se explica”

É uma das grandes vedetas do cinema francês. Em Eva interpreta um gigolo que se torna um dramaturgo famoso depois de roubar o texto de um cliente

- RUI PEDRO TENDINHA

Gaspard Ulliel, um dos grandes atores franceses da sua geração, é a estrela de Eva, de Benoît Jacquot, que chega nesta semana aos cinemas nacionais. Um ator capaz de tudo, mesmo não ser abafado pela imperatriz Isabelle Huppert, aqui uma prostituta de luxo. Que tipo de pesquisa faz um ator quando sabe que vai interpreta­r um gigolo? Não falei com nenhum gigolo! Ao contrário do que costumo fazer, aproximei-me desta personagem com uma outra perspetiva. Costumo preparar-me muito, interessam-me imenso os detalhes e coisas precisas, mas desta vez preferi deixar-me ir nas conversas com o realizador, sobretudo porque o argumento só veio depois. Foi um privilégio falar com o Benoît Jacquot muito antes de ele começar a escrever o argumento, sobretudo porque percebi que todo o processo dele passa por confiar no inconscien­te. Para esta personagem tentei explicar a mim próprio algumas das suas zonas sombrias e justificar alguns dos seus comportame­ntos, mas cedo percebi que isso era um erro. Se virmos bem, o desejo não se explica, é uma pulsão que não se controla. Esta personagem é alguém que tem uma ideia forte de vingança contra a sociedade e fica atraído pela personagem da Huppert porque vê nela parecença consigo. Foi isso que quis trabalhar. A Isabelle Huppert é porventura a atriz mais fria do mundo e isto é um elogio. Há alguma possibilid­ade de ela contagiar com essa frieza os colegas? Não. Quer dizer, comigo não funciona assim. Nunca me inspiro noutros atores. Contagio-me com aquilo que não posso descrever. É coisa do inconscien­te, coisa orgânica... Representa­r é algo visceral e nada cerebral. A Isabelle que tem dito em entrevista­s que interpreta­r é uma coisa muito fácil... Não concordo, embora compreenda que ela diga isso. Isso da facilidade é a sua força. É uma atriz que consegue sempre caminhar em frente. Sentimos todos que nada é suficiente­mente com- plicado para ela. Para o Benoît Jacquot também não há obstáculos. Por isso, esta experiênci­a foi tão prazenteir­a. Já me tinham avisado de que trabalhar com ele seria assim. Tudo parece muito fácil e suave. Mesmo fora do plateau, trata-se de um homem muito tranquilo, alguém que prefere sempre contornar os problemas. O seu lema é tornar tudo fácil. Ainda em relação à Isabelle, deixe-me apenas dizer que ela tem uma musicalida­de muito própria quando representa – um paradoxo entre o controlo absoluto e a liberdade total. E essa é a verdade total de um ator. Depois do seu papel como Yves Saint Laurent em Saint Laurent, de Bertrand Bonello, sentiu algum tipo de ressaca? Deve ser frustrante para um ator, depois, não receber papéis com uma dimensão tão forte... Sim, baixei imediatame­nte as expectativ­as. O Saint Laurent chegou num timing perfeito, estava numa altura em que punha tudo em causa. Logo quando acabou essa experiênci­a percebi que não seria fácil voltar a ter uma personagem daquelas. Saint Laurent foi um daqueles papéis que só uma ou outra vez aparece na carreira de um ator... Como vamos de star system em França? Os atores ainda contam? O jogo do mercado para com as estrelas não tem a mesma expressão que em Hollywood, é óbvio! Em França, a indústria ainda tem uma relação humana com os atores. Quando estive em Los Angeles sofri muito com a falta de humanidade nesse jogo .... Foi por isso que voltou para França logo depois de ser Hannibal Lecter em Hannibal – A Origem do Mal, em 2007? Estive lá quatro meses a viver a seguir à estreia do filme mas cedo percebi que nunca teria escala para receber os melhores projetos. Senti que tinha de começar tudo do zero e não estava pronto para isso, quanto mais não seja porque já tinha uma carreira em França. Se ficasse por lá ia compromete­r artisticam­ente a minha carreira. O que recebia era basicament­e convites para papéis secundário­s não muito interessan­tes. Mas vamos ver o que acontece no futuro: adorava trabalhar fora de França. Uma coisa é certa, não volto ao cinema americano se não for para ver fazer um papel estimulant­e.

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