Entre masculino e feminino
Há poucas semanas, o site IndieWire dava notícia de um “estudo” empenhado em provar uma bizarra correspondência: os filmes da saga StarWars que dão mais tempo às personagens femininas se riamos que tinham obtido maiores receitas nas salas dos EUA. A demonstração era involuntariamente ridícula, já que a simples relativização da inflação permite perceber que o primeiro título, lançado em 1977 e considerado o de menor “exposição” feminina é, de longe, o que vendeu mais bilhetes. Mas o mais grave decorria da grosseira aritmética proposta: a figuração do feminino seria sancionada pelos movimentos do dinheiro. Isto para dizer que Eva, o novo e magnífico filme de Benoît Jacquot, nunca encaixará em qualquer cálculo do género. Ainda bem, digo eu. Em primeiro lugar, porque ainda há filmes que é possível descobrir sem sermos agredidos por uma visão economicista do cinema que reduz toda e qualquer forma de criatividade a contas de “milhões” (ou proezas de “efeitos especiais”). Depois, porque a personagem interpretada por Isabelle Huppert resiste a ser reduzida a qualquer padrão dramático pueril e purificador. Conhecemos o pano de fundo mediático sobre os abusos cometidos por alguns homens contra algumas mulheres – e nada pode minimizar a importância da identificação dos crimes cometidos e da sua exemplar punição. Em todo o caso, o que quase todos os militantismos ignoraméo facto de ficções como Eva, centrada no fascínio de um homem (Gaspard Ulliel) por uma prostituta (Huppert), funcionarem como espelho amargo de um logro partilhado por masculino e feminino. A saber: Jacquot, autor de filmes belíssimos como As Asas da Pomba (1981), Adolphe (2002) ou
Adeus, Minha Rainha (2012), continua a ser um observador terno e cruel do desejo e suas ilusões, do desejo como ilusão.