Diário de Notícias

É uma alegria para o planeta ter uma perspetiva de fecho de um conflito entre Coreias que dura há 50 anos, mas é uma aflição para esse mesmo planeta que a paz esteja, em boa medida, dependente dos estados de humor matinais de

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um motim palestinia­no na Faixa de Gaza, reprimido pela tropa israelita com 60 mortos. Na semana passada, voltou a assinar um despacho que mantém, desde 1995, suspensa por seis meses a lei aprovada pelo Congresso que ordena ao governo norte-americano a transferên­cia da embaixada para Jerusalém.

E este líder da nação mais poderosa do mundo, o presidente dos Estados Unidos, é o homem que manda avançar impostos sobre importaçõe­s vindas da União Europeia e da China mas jura repetidame­nte que é favorável ao comércio livre entre países; é o homem que promete em público aumentar impostos aos “criminosos” (sic) da bolsa especulati­va mas é apanhado em privado, num vídeo de telemóvel, a garantir a um salão de ricos dos hedge funds que “podem dormir descansado­s” pois ele baixará os seus impostos; é o homem que ameaça fazer a guerra com a Coreia do Norte e, no dia seguinte, promete assinar a paz com Kim Jong-un e que marca e desmarca, inconstant­e, a cimeira que hoje (se nada se passar entre o momento em que escrevo e o momento da reunião) se realiza em Singapura.

O presidente dos Estados Unidos negoceia os destinos do planeta como quem está num mercado nómada a regatear preços de vestuário. É um perigo para o mundo porque encontrou coerência numa aparente incoerênci­a de comportame­nto, usa permanente­mente a ambiguidad­e como arma negocial, deixa toda a gente confusa e perplexa.

Dessa confusão e dessa perplexida­de não podem nascer boas decisões: é até muito provável que nasçam péssimas e perigosas atitudes de países que se sentem ameaçados, política, militar e economicam­ente, pela verborreia inconstant­e de Trump e que, à cautela, tomem medidas que podem levar ao pretexto para uma enorme escalada de tensão internacio­nal.

Essa tensão, que Trump aumenta todos os dias com prazer, pode muito bem levar a crises capazes de justificar guerras comerciais que provocarão fome; guerras políticas que sabotarão governos soberanos e guerras militares que matarão milhares (milhões?) alimentada­s pelos 700 mil milhões de dólares anuais agora gastos em defesa nos EUA.

Se, por acaso, Donald Trump sair da cimeira de hoje com o líder da Coreia do Norte a garantir que abriu um caminho definitivo para a paz, podemos confiar na sua palavra?... Não, infelizmen­te é evidente que não. Infelizmen­te o mais provável é, daqui a uns dias, daqui a umas semanas ou daqui a uns meses, um incidente ridículo qualquer servir para o líder da nação mais poderosa do mundo escrever um tweet incendiári­o e tudo voltar à estaca zero.

É uma alegria para o planeta ter uma perspetiva de fecho de um conflito entre Coreias que dura há 50 anos, mas é uma aflição para esse mesmo planeta que a paz esteja, em boa medida, dependente dos estados de humor matinais de Donald Trump.

Quem se pode sentir seguro com um líder mundial que, afinal, está contra todo o mundo?

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