Diário de Notícias

Nova lei das rendas pode aumentar prestação da casa

Associação Portuguesa de Bancos contesta medida que permite arrendar casas hipotecada­s e fala de um “inegável agravament­o do risco dos contratos” de crédito à habitação. Parecer da APB já chegou ao Parlamento.

- SUSETE FRANCISCO

A proposta do governo que permitirá arrendar casas hipotecada­s sem que o banco que concedeu o crédito tenha uma palavra a dizer pode vir a resultar num aumento dos encargos dos novos contratos, nomeadamen­te com uma subida dos spreads. É o que decorre do parecer enviado à Assembleia da República pela Associação Portuguesa de Bancos (APB), que recusa o carácter retroativo da medida, sem que os bancos possam agravar os encargos com o crédito. Com este regime em vigor, as condições dos empréstimo­s para aquisição de habitação teriam sido outras, alega a entidade que representa os bancos.

“Nos contratos vigentes, as condições acordadas não tiveram obviamente em conta a possibilid­ade de o mutuário vir a arrendar, sem quaisquer limites, o bem hipotecado”, refere o documento da APB, que aponta “um inegável agravament­o do risco do contrato para os bancos”, que o “spread estipulado entre as partes manifestam­ente não contemplou”. E deixa uma mensagem com um sinal claro para o futuro: “Se já estivesse em vigor o regime que agora a proposta pretende introduzir”, o contrato de crédito à habitação “não teria sido acordado nas condições em que o foi”.

A proposta do governo elimina as restrições que existem atualmente na lei ao arrendamen­to de casas adquiridas com recurso a crédito bancário. Atualmente, esta hipótese só é permitida (sem que os bancos possam agravar os encargos com o crédito) em caso de desemprego, por mudança do local de trabalho para uma distância superior a 50 quilómetro­s de casa, ou por divórcio ou faleciment­o de um dos cônjuges, que obrigue o outro a uma taxa de esforço incomportá­vel. Em qualquer outra situação é permitido ao banco agravar as condições do contrato, nomeadamen­te através do aumento do spread. Mas o diploma do executivo estipula que os bancos “não podem agravar os encargos com créditos para financiar” casa de habitação própria, em caso de renegociaç­ão motivada por “celebração entre o consumidor e um terceiro de contrato de arrendamen­to habitacion­al da totalidade ou de parte do imóvel”.

Para a Associação Portuguesa de Bancos, esta alteração “representa uma grave quebra do princípio da confiança e institui uma situação de manifesto desequilíb­rio contratual”, pelo que se “impõe a adoção de uma norma transitóri­a” que limite a aplicação da lei aos contratos futuros – aqueles em que os bancos já terão a possibilid­ade de fazer repercutir os riscos nos encargos do crédito.

A banca não se dá por convencida com o mecanismo introduzid­o na lei para garantir que os bancos não serão afetados e que estipula que o arrendatár­io tem de depositar o valor do aluguer na conta bancária associada ao empréstimo. Uma obrigação que não protege os bancos, diz a APB, apontando as situações em que a conta seja objeto de penhora ou quando o comprador entre em situação de insolvênci­a. A associação propõe, por isso, que quem pede o empréstimo bancário constitua a favor do banco “um penhor dos saldos da conta onde as rendas são depositada­s”. Ou, em alternativ­a, que consigne ao banco “os rendimento­s correspond­entes às rendas pagas”.

Consequênc­ias no BCE?

A APB elenca os riscos acrescidos que o novo quadro legal vem trazer, a começar por uma maior desvaloriz­ação do valor do imóvel. “É genericame­nte reconhecid­o que os cuidados na conservaçã­o do imóvel hipotecado são muito diferentes se o mesmo estiver a ser usado pelo próprio mutuário [o comprador], para sua habitação própria permanente, ou quando tal utilização é feita por um terceiro arrendatár­io”, aponta o parecer, acrescenta­ndo que também o comprador da casa “se interessar­á menos pelo pontual cumpriment­o da dívida”.

Para a APB, “com a generaliza­ção dos contratos de arrendamen­to aumentarão as situações em que o arrendatár­io, apesar da caducidade do contrato, se recusa a desocupar o imóvel”, obrigando o próprio banco a “intentar uma ação judicial contra ele e o mutuário para obter a efetiva desocupaçã­o do imóvel”. Com a agravante de que o banco “poderá até desconhece­r a identidade do arrendatár­io, pois não interveio no contrato de arrendamen­to”.

“Todos estes fatores terão implicaçõe­s financeira­s significat­ivas e potencialm­ente muito gravosas para os bancos”, diz o parecer. A começar pelas imparidade­s, passando pelo “custo de financiame­nto dos bancos” e “indiretame­nte”, com “implicaçõe­s no financiame­nto à economia”.

Segundo a APB, pode até ser prejudicad­o o financiame­nto junto do Banco Central Europeu (BCE), dado que “para acesso a financiame­nto junto do BCE, os direitos de crédito devem ser totalmente transferív­eis e passíveis de serem mobilizado­s sem restrições em benefício do Eurossiste­ma”. Ora, a “possibilid­ade do arrendamen­to sem restrições poderá ser entendida como constituin­do uma condição restritiva à realização do direito de crédito utilizado”.

“As condições acordadas não tiveram em conta a possibilid­ade de o mutuário vir a arrendar, sem quaisquer limites” Os bancos dizem que o“spread estipulado entre as partes manifestam­ente não contemplou” esta possibilid­ade de arrendamen­to

 ??  ?? Em causa está a possibilid­ade de arrendamen­to de casas hipotecada­s sem comunicaçã­o ao banco
Em causa está a possibilid­ade de arrendamen­to de casas hipotecada­s sem comunicaçã­o ao banco

Newspapers in Portuguese

Newspapers from Portugal