Nova lei das rendas pode aumentar prestação da casa
Associação Portuguesa de Bancos contesta medida que permite arrendar casas hipotecadas e fala de um “inegável agravamento do risco dos contratos” de crédito à habitação. Parecer da APB já chegou ao Parlamento.
A proposta do governo que permitirá arrendar casas hipotecadas sem que o banco que concedeu o crédito tenha uma palavra a dizer pode vir a resultar num aumento dos encargos dos novos contratos, nomeadamente com uma subida dos spreads. É o que decorre do parecer enviado à Assembleia da República pela Associação Portuguesa de Bancos (APB), que recusa o carácter retroativo da medida, sem que os bancos possam agravar os encargos com o crédito. Com este regime em vigor, as condições dos empréstimos para aquisição de habitação teriam sido outras, alega a entidade que representa os bancos.
“Nos contratos vigentes, as condições acordadas não tiveram obviamente em conta a possibilidade de o mutuário vir a arrendar, sem quaisquer limites, o bem hipotecado”, refere o documento da APB, que aponta “um inegável agravamento do risco do contrato para os bancos”, que o “spread estipulado entre as partes manifestamente não contemplou”. E deixa uma mensagem com um sinal claro para o futuro: “Se já estivesse em vigor o regime que agora a proposta pretende introduzir”, o contrato de crédito à habitação “não teria sido acordado nas condições em que o foi”.
A proposta do governo elimina as restrições que existem atualmente na lei ao arrendamento de casas adquiridas com recurso a crédito bancário. Atualmente, esta hipótese só é permitida (sem que os bancos possam agravar os encargos com o crédito) em caso de desemprego, por mudança do local de trabalho para uma distância superior a 50 quilómetros de casa, ou por divórcio ou falecimento de um dos cônjuges, que obrigue o outro a uma taxa de esforço incomportável. Em qualquer outra situação é permitido ao banco agravar as condições do contrato, nomeadamente através do aumento do spread. Mas o diploma do executivo estipula que os bancos “não podem agravar os encargos com créditos para financiar” casa de habitação própria, em caso de renegociação motivada por “celebração entre o consumidor e um terceiro de contrato de arrendamento habitacional da totalidade ou de parte do imóvel”.
Para a Associação Portuguesa de Bancos, esta alteração “representa uma grave quebra do princípio da confiança e institui uma situação de manifesto desequilíbrio contratual”, pelo que se “impõe a adoção de uma norma transitória” que limite a aplicação da lei aos contratos futuros – aqueles em que os bancos já terão a possibilidade de fazer repercutir os riscos nos encargos do crédito.
A banca não se dá por convencida com o mecanismo introduzido na lei para garantir que os bancos não serão afetados e que estipula que o arrendatário tem de depositar o valor do aluguer na conta bancária associada ao empréstimo. Uma obrigação que não protege os bancos, diz a APB, apontando as situações em que a conta seja objeto de penhora ou quando o comprador entre em situação de insolvência. A associação propõe, por isso, que quem pede o empréstimo bancário constitua a favor do banco “um penhor dos saldos da conta onde as rendas são depositadas”. Ou, em alternativa, que consigne ao banco “os rendimentos correspondentes às rendas pagas”.
Consequências no BCE?
A APB elenca os riscos acrescidos que o novo quadro legal vem trazer, a começar por uma maior desvalorização do valor do imóvel. “É genericamente reconhecido que os cuidados na conservação do imóvel hipotecado são muito diferentes se o mesmo estiver a ser usado pelo próprio mutuário [o comprador], para sua habitação própria permanente, ou quando tal utilização é feita por um terceiro arrendatário”, aponta o parecer, acrescentando que também o comprador da casa “se interessará menos pelo pontual cumprimento da dívida”.
Para a APB, “com a generalização dos contratos de arrendamento aumentarão as situações em que o arrendatário, apesar da caducidade do contrato, se recusa a desocupar o imóvel”, obrigando o próprio banco a “intentar uma ação judicial contra ele e o mutuário para obter a efetiva desocupação do imóvel”. Com a agravante de que o banco “poderá até desconhecer a identidade do arrendatário, pois não interveio no contrato de arrendamento”.
“Todos estes fatores terão implicações financeiras significativas e potencialmente muito gravosas para os bancos”, diz o parecer. A começar pelas imparidades, passando pelo “custo de financiamento dos bancos” e “indiretamente”, com “implicações no financiamento à economia”.
Segundo a APB, pode até ser prejudicado o financiamento junto do Banco Central Europeu (BCE), dado que “para acesso a financiamento junto do BCE, os direitos de crédito devem ser totalmente transferíveis e passíveis de serem mobilizados sem restrições em benefício do Eurossistema”. Ora, a “possibilidade do arrendamento sem restrições poderá ser entendida como constituindo uma condição restritiva à realização do direito de crédito utilizado”.
“As condições acordadas não tiveram em conta a possibilidade de o mutuário vir a arrendar, sem quaisquer limites” Os bancos dizem que o“spread estipulado entre as partes manifestamente não contemplou” esta possibilidade de arrendamento