Há uma luta de gangues em Belém (e vale a pena assistir)
West Side Story – Amor sem Barreiras é o último filme do ciclo Grande Auditório, Grande Ecrã, Grandes Clássicos no CCB Inês N. Lourenço
E´É o regresso à grande tela de um dos mais emblemáticos musicais da história do cinema. Os membros de dois gangues de Manhattan estalam os dedos ao ritmo da música de Leonard Bernstein e lutam como quem dança, disciplinados nesse caos pela coreografia de Jerome Robbins. West Side Story (1961), ou como se chamou em português, num título desenxabido, Amor sem Barreiras, é exibido neste domingo no Centro Cultural de Belém, em Lisboa. É o filme de encerramento de um ciclo que começou com E Tudo o Vento Levou (1939), cujo nome – Grande Auditório, Grande Ecrã, Grandes Clássicos – fez plena ressonância nas escolhas. Entre a primeira e a última, passou pelo CCB o mítico western de Sergio Leone, Aconteceu no Oeste (1968), depois Spartacus (1960), de Stanley Kubrick, com o intenso Kirk Douglas, e Boneca de Luxo (1961), de Blake Edwards, com uma Audrey Hepburn para a eternidade. Todos eles títulos que pedem fortes adjetivos para as suas diferentes expressões de grandiosidade.
Em West Side Story, de RobertWise e Jerome Robbins, essa proeminência vem não só do espírito shakesperiano da história – uma atualização do amor impossível de Romeu e Julieta na Nova Iorque dos anos 1950, com os gangues rivais Sharks e Jets em lugar dos Montecchios e Capuletos – mas também da escala da produção, ainda mais com atores e bailarinos talentosos.
Natalie Wood, numa doçura só minorada pelo sotaque exagerado, interpreta a “Julieta” Maria, uma imigrante porto-riquenha. Por essa altura acabava de fazer o belíssimo Esplendor na Relva, de Elia Kazan (a sua segunda nomeação ao Óscar, depois de Fúria deViver, de Nicholas Ray, em que contracena com James Dean). West Side Story e, logo depois, Gypsy, a Cigana (1962), representaram a sua breve passagem pelo género musical. Já Richard Beymer, o “Romeu” americano Tony, teve aqui o momento mais marcante da carreira.
Na Broadway, onde tem as suas raízes, West Side Story foi um estrondoso sucesso, por isso a adaptação ao cinema implicou uma certa reverência ao original, escrito por Arthur Laurents. As pequenas mudanças ocorreram nos números musicais, nomeadamente uma nova letra (todas de Stephen Sondheim) para a canção America, que realça as dificuldades de enquadramento dos porto-riquenhos na realidade dos EUA. O êxito no ecrã, sabe-se, foi ainda maior.
Convém lembrar que West Side Story surgiu numa altura em que a tradição do musical americano começava a mudar. Havia uma vontade de desafiar a lógica dos estúdios e levar a ação para as ruas, tornando-a assim, precisamente, mais realista e próxima da narrativa social. Contudo, o filme não abandonou por completo a respiração do teatro e, nesse sentido, é um dos mais espantosos exemplos de como era possível combinar a estilização característica do palco com uma atmosfera e uma rugosidade urbanas.
Esse combate estético é assumido eWest Side Story tira dele uma vibração especial. O próprio Robert Wise esclareceu a sua noção das “ruas de Nova Iorque” neste contexto: “Não se pode dizer que fossem completamente reais, porque não se via as multidões habituais. Tínhamos apenas algumas pessoas e um carro ocasional que passava, e escolhíamos lugares que possuíssem uma forma que pudesse trazer à memória a noção de um palco.” Por falar em Robert Wise, eis um homem que representou a quintessência de Hollywood: começou a carreira como montador, tendo-lhe passado pelas mãos dois filmes de Orson Welles – O Mundo a Seus Pés (Citizen Kane, 1941) e O Quarto Mandamento (1942) –, depois reve-
lou-se um excelente realizador de série B, como o provam A Maldição da Pantera (1944) e O TúmuloVazio (1945), e ainda passaria por vários géneros, mas foi o musical que lhe deu a glória. Com West Side Story arrecadou os seus primeiros dois Óscares (filme e realização, esta última partilhada com Robbins como forma de reconhecimento pelo vincado trabalho de coreografia), e com Música no Coração (1965) repetiu a mesma dose. Nesta matéria, West Side Story foi o grande campeão, totalizando dez estatuetas douradas, incluindo para dois atores secundários que são também dançarinos de primeira água no filme – Rita Moreno e George Chakiris.
A cópia digital que vai ser exibida amanhã no CCB é restaurada. E chamamos a atenção para esse pormenor técnico pela sua real importância: ver este filme nas melhores condições. Falamos de uma obra que, a par do seu memorável repertório musical, com canções tão inesquecíveis como Maria e Somewhere, joga com uma vívida paleta de cores, desde o brilhante genérico de abertura criado pelo designer Saul Bass ao guarda-roupa das personagens. Portentosa é também a sequência de abertura, com a câmara-helicóptero a passar por cima de Manhattan, dando a geografia da cidade moderna onde se vai alojar uma história de amor intemporal. Na derradeira cena, o vestido encarnado de NatalieWood é a perfeita insígnia da tragédia.