Diário de Notícias

Stephanie Coo “Sentimos culpa por Magalhães ter sido morto nas Filipinas”

Professora na universida­de Ateneo de Manila, Stephanie Coo garante que ainda hoje os filipinos sentem que se uma coisa for europeia “é mais chique” – um exemplo, diz, daquilo a que se chama a “mentalidad­e colonial”

- HELENA TECEDEIRO

Em Portugal para uma palestra na embaixada em Lisboa, a historiado­ra Stephanie Coo garante que os filipinos associam Fernão de Magalhães a Portugal e até hoje, em Cebu, a ilha onde o explorador português desembarco­u em 1521 ao serviço da Coroa espanhola, costuma perguntar-se a qualquer homem branco se ele é português. Num momento em que se preparam as celebraçõe­s dos 500 anos da chegada de Magalhães – e da sua morte –, Coo sublinha a necessidad­e de reforçar a interação e conhecimen­to mútuo entre Filipinas e Portugal. Para os portuguese­s, as Filipinas ainda são a terra onde Fernão de Magalhães morreu. O que sabem os filipinos sobre o explorador português? Magalhães desembarco­u em Cebu e colocou lá uma cruz. Cebu é a ilha do meio. Há três grandes ilhas nas Filipinas. A cruz é chamada Cruz de Magalhães. É um local turístico. E, curiosamen­te, as pessoas ainda brincam que se fores um homem branco em Cebu deves ser português. Mesmo que seja austríaco ou outra coisa qualquer, perguntam sempre se é português. Acho que associam o homem branco a Magalhães. E associam Magalhães a Portugal e não a Espanha, apesar de ele estar a trabalhar para a Coroa espanhola. Além dessa Cruz, Fernão de Magalhães também deixou em Cebu a imagem do Santo Niño. Sim, fica tudo perto. Temos a Cruz e a igreja onde está a imagem do Santo Niño. E é preciso sentir a devoção das pessoas. Essa herança é física... É física, é tangível. Temos uma grande celebração prevista para 2021. Serão os 500 anos da chegada de Fernão de Magalhães às Filipinas. Faz parte do que chamamos a diplomacia cultural. Celebramos Magalhães, não a sua morte mas os seus feitos, o contributo que deixou. É um grande projeto que vai culminar em 2021. Os filipinos não veem Fernão de Magalhães, morto na ilha de Mactan, como o europeu mau que chegou para explorar os residentes? Não. Até nos sentimos culpados por ele ter sido morto nas Filipinas (risos). Não se matam homens brilhantes! Mas era um período de conquista .... A sua área de especializ­ação são os têxteis e a moda, sobretudo no século XIX. Depois de Magalhães, chegaram os espanhóis, que ficaram mais de 300 anos. Ainda se sentem hoje os reflexos dessa colonizaçã­o? Claro, as influência­s estão lá. Por exemplo as técnicas, o sistema de educação, foram inspirados nos espanhóis. Mas com o tempo foi havendo adaptações, para integrar a cultura nativa, mas também a cultura chinesa, etc. Ainda resta algo dos portuguese­s? Posso dar um exemplo: em Negros, de onde sou originária – uma zona de plantações de cana de açúcar –, há uma grande mansão. A arquitetur­a é de estilo português. Porque foi inspirado por um capitão português. Um filipino casou com uma portuguesa e o pai dela era capitão. Quando o marido construiu a casa inspirou-se nas viagens do sogro. Quando estavam sob influência espanhola, as Filipinas estavam mais viradas para a Europa, quando em 1898 os EUA ficaram com as ilhas após a guerra hispano-americana, o país passou a olhar mais para a América? Quando fomos colonizado­s pelos espanhóis, a maior influência era Espanha, sem dúvida. Quando fomos entregues aos americanos – por um certo preço – a influência passou a ser americana. Até as roupas começaram a mudar. Tornaram-se mais americaniz­adas. Continuam a ser ocidentais, cabe tudo sob essa designação, mas tornaram-se mais utilitária­s. Não só por influência americana mas também devido às mudanças globais. As roupas tornaram-se mais práticas. Hoje em dia ainda se notam essas influência­s? Sim, não só na roupa mas também no estilo de vida. Podemos recuar até ao século XIX e nota-se uma coisa muito simples: os franceses influencia­vam os espanhóis e os espanhóis influencia­vam as suas colónias. Ainda hoje há a ideia de que se for europeu é mais chique. Um termo para isso, chama-se mentalidad­e colonial. Gostamos de coisas ocidentais, importadas. Nos últimos anos, com o presidente Rodrigo Duterte, as Filipinas têm olhado mais para a China do que para os Estados Unidos? É uma questão de alianças. Houve uma mudança na liderança mundial. Por isso hoje apostamos tanto na chamada soft diplomacy. A nossa diplomacia é institucio­nal, mas a soft diplomacy passa por conversas que os diplomatas não podem ter. Esta sua vinda a Portugal encaixa nessa soft diplomacy? Tem havido esforços para promover a diplomacia cultural, para promover as Filipinas em Portugal e para aumentar o interesse por Portugal nas Filipinas. Por exemplo, a nossa embaixador­a tem um projeto que passa por encontrar referência­s às Filipinas nos arquivos portuguese­s. Nunca usámos os vossos arquivos. E queremos saber mais sobre as relações históricas entre Portugal e as Filipinas. Para isso precisamos de apoio de académicos portuguese­s que nos ajudem com os vossos arquivos. Porque não percebemos português. E vice-versa. Queremos chamar a atenção para as nossas relações históricas com Portugal. Promover Portugal nas Filipinas. É muito uma relação histórica. Há interesse pelo Portugal atual nas Filipinas? A vossa embaixada fechou há uns anos e alguma da mobília está no Ateneo de Manila onde eu dou aulas. Temos um departamen­to de línguas modernas que, dependendo da procura, ensina português. Num dos escritório­s está a mobília da embaixada que fechou. As pessoas estão interessad­as. Portugal está na moda. Eu estive cá duas vezes este ano! Há agora um interesse de ambos os lados. Por isso é importante virem cá professore­s filipinos como eu e que partilhemo­s o nosso conhecimen­to do nosso país com académicos portuguese­s. A esperança é que isto acabe por se refletir nas nossas aulas e nas deles.

“Queremos saber mais sobre as relações entre Portugal e as Filipinas. Para isso precisamos de apoio de académicos portuguese­s que nos ajudem com os arquivos”

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