Diário de Notícias

Um presidente americano herói numa ilha africana

- LEONÍDIO PAULO FERREIRA JORNALISTA

Não está exatamente igual ao Ulysses S. Grant que surge em tantas pinturas a receber a rendição do confederad­o Robert E. Lee em Appomattox, batalha decisiva da Guerra Civil Americana, mas esta estátua em Bolama é mesmo do general nortista que depois foi eleito presidente. E foi já como presidente dos Estados Unidos que Grant liderou a arbitragem internacio­nal que confirmou a ilha de Bolama (mesmo nome da cidade) como parte da Guiné portuguesa, afastando as pretensões francesas.

Aconteceu em 1870, como sublinha o padre Abraão, que acabo de conhecer no cais e que me guia pela cidade por entre mulheres que vendem mangas e cajus, crianças que vêm da escola com camisola do Benfica e do Sporting ou até do Real Madrid, mas neste caso sempre o 7 de Ronaldo. E, por todo o lado, cabras a pastar, muitas cabras, cabras que procuram sem parar sinal de comida no chão de terra vermelha.

Percebe-se ainda a monumental­idade que teve em tempos Bolama, capital guineense antes de Bissau. Os edifícios estão degradados, mas a arquitetur­a deles continua a impression­ar e faz alguns sonhar com uma recuperaçã­o que ajude depois a trazer turistas à Guiné-Bissau, país ligado a Portugal por seis séculos de história mas também hoje pela EuroAtlant­ic, a companhia aérea que convidou o DN para esta visita, e a TAP. O palácio do governador, junto ao mar, é uma das joias da era colonial, outra é o palácio inspirado na Casa Branca, que fica na antiga praça Teixeira Pinto.

Ora, se muito mudou aqui depois da independên­cia em setembro de 1974, numa das partes da praça continua, porém, a estátua do presidente americano. “Era a Praça Ulysses Grant, continua para muitos a ser a Praça Ulysses Grant”, diz o padre Abraão, que estudou em Roma e já esteve em Fátima. Mas a estátua original, em bronze, desaparece­u e foi um artista local, Zinho Ká, que estudando imagens do principal general ao serviço da União de Abraham Lincoln fez a réplica em cimento que hoje está no pedestal e que Leonardo Negrão fotografou para o DN (e que ilustra esta crónica).

“Disseram-me que a estátua tinha sido levada para Cacheu, mas estive lá e não a vi”, comenta o padre Abraão. Pois fomos também a Cacheu, ao fortim que remonta ao século XVI e construído pelos portuguese­s junto ao imponente rio com o mesmo nome da cidade. A pequena fortaleza, pintada de branco, tem dentro estátuas retiradas do sítio original por ordem dos líderes da Guiné-Bissau.

Estão aqui Tristão da Cunha e Diogo Cão, navegadore­s do século XV e pioneiros europeus no golfo da Guiné. Está também Honório Pereira Barreto, uma fabulosa figura que merece ser tirada do esquecimen­to. Filho de um cabo-verdiano e de uma guineense, nasceu em Cacheu em 1813, estudou em Portugal e foi governador da Guiné. Isto numa época em que o Brasil recém-independen­te traficava escravos, o sul dos Estados Unidos mantinha o sistema esclavagis­ta e a Libéria ainda estava por fundar. Dizem-me que alguns dos seus descendent­es vivem ainda na Guiné.

Hora de partida para Lisboa. Por coincidênc­ia, encontro no aeroporto de Bissau o ministro do Turismo, Vicente Fernandes. Fica feliz por termos visitado Bolama. Diz que o turismo pode ser “o motor de desenvolvi­mento da Guiné-Bissau” e que a reabilitaç­ão de Bolama seria de grande ajuda para atrair sobretudo portuguese­s. Mostra-se recetivo a um envolvimen­to da Gulbenkian. E porque não de uma fundação americana ou da FLAD, afinal não é qualquer ilha africana que tem um presidente dos Estados Unidos como herói? “Sim, porque não?”

Franceses cobiçavam Bolama, mas em 1870 o presidente americano decidiu que Portugal tinha direitos de soberania sobre a ilha

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