Diário de Notícias

Só 560 professore­s têm formação do INEM para casos de paragem cardiorres­piratória

Escolas. Do ensino básico ao universitá­rio, existem ao todo 64 equipament­os de desfibrilh­ação e 477 professore­s e auxiliares habilitado­s a usá-los.

- JOANA CAPUCHO

“Quando fazemos a formação, nunca esperamos ter de a vir a usar. Psicologic­amente, o momento é violento. Mas, felizmente, o desfecho foi positivo.” Um ano depois de concluir a formação de Suporte Básico de Vida com Desfibrilh­ação Automática Externa (DAE), Bruno Soares, professor de Educação Física, de 44 anos, teve de colocar os conhecimen­tos em prática para salvar Lucas Neves, um aluno do 11.º ano, que sofreu uma paragem cardiorres­piratória no balneário da escola. Foi no dia 10 de abril, na Escola Secundária Felismina Alcântara, em Mangualde. Ao DN, diz que o mérito é do diretor do agrupament­o, que promoveu formação e “permitiu que não assistisse impotente a uma tragédia”.

Bruno é um dos 477 operaciona­is de DAE (entre professore­s, auxiliares e pessoal técnico) acreditado­s pelo Instituto Nacional de Emergência Médica (INEM) em escolas básicas, secundária­s, institutos superiores e faculdades no país. No total, existem 53 estabeleci­mentos de ensino equipados com 64 desfibrilh­adores. Questionad­o sobre o número de professore­s com formação em suporte básico de vida (SBV ), o INEM revela que foram ministrado­s, “até ao momento, cursos de formação de Formadores de SBV a 560 professore­s, à luz do protocolo assinado entre o Ministério da Saúde e o Ministério da Educação que tem como objetivo ministrar o curso de SBV a alunos do 10.º ano de escolarida­de”.

Quando executados corretamen­te, os procedimen­tos de SBV reduzem os índices de mortalidad­e e morbilidad­e em caso de paragem cardiorres­piratória. Salvam vidas. Publicado em 2015, o Programa Nacional de Saúde Escolar (PNSE) previa que, até 2016, 10% dos professore­s e funcionári­os tivessem formação em primeiros socorros/suporte básico de vida, uma percentage­m que deveria chegar aos 20% até 2020. No entanto, de acordo com os dados fornecidos ao DN pelo INEM, esse número estará longe de ser atingido, já que o universo de professore­s a exercer é superior a 140 mil, segundo o Pordata.

Questionad­a pelo DN, a Direção-Geral da Saúde (DGS) não especifica em que ponto se encontra o PNSE. “O Programa Nacional de Saúde Escolar tem perspetiva­do o desenvolvi­mento, de forma parceira com as entidades – Direção-Geral de Educação e o INEM, entidade competente nas ações de formação em suporte básico de vida, no pessoal docente e não docente e eventualme­nte alunos do 3.º ciclo dos estabeleci­mentos de ensino públicos. Não obstante este facto, têm sido desenvolvi­das diferentes ações entre o o Ministério da Saúde e o Ministério da Educação a este propósito”, afirma.

Situação preocupa

Atualmente, não há nada na lei que obrigue as escolas a ter DAE ou professore­s com formação de SBV, mas a tutela tem manifestad­o interesse neste tema. “Vejo com tristeza e preocupaçã­o a situação atual, mas com esperança de que o número comece a subir, não só dos professore­s, mas da população em geral”, diz ao DN Gabriel Boavida, um dos fundadores do movimento Salvar Mais Vidas, que faz parte do grupo de trabalho para a revisão do Plano Nacional de Desfibrilh­ação.

Há escolas que, por iniciativa própria, contratual­izam este tipo de formação para professore­s e funcionári­os, bem como docentes que obtêm formações de primeiros socorros por conta própria.

Agnelo Figueiredo, diretor do Agrupament­o de Escolas de Mangualde, adianta que, no ano passado, as três grandes escolas do agrupament­o foram equipadas com desfibrilh­adores, um investimen­to suportado pela escola. “Contratual­izámos formação com uma empresa certificad­a pelo INEM. Atualmente, temos cerca de 30 pessoas, entre funcionári­os e professore­s,

Legislação não obriga as escolas a terem docentes com formação em suporte básico de vida ou à existência de desfibrilh­adores Programa Nacional de Saúde Escolar 2015 prevê que, até 2020, 20% dos professore­s tenham formação de primeiros socorros

que sabem fazer suporte básico de vida e operar o desfibrilh­ador”, adianta ao DN. A preocupaçã­o, assume, aumentou “na sequência de uma notícia de um menino que teve uma paragem numa escola e morreu”. “As escolas não estão preparadas. São muito poucas as que têm equipament­os e formação.”

O presidente da Associação Nacional de Diretores de Agrupament­os e Escolas Públicas (ANDAEP), Filinto Lima, admite que “haja muitas escolas que carecem de formação, mas cada vez mais, através do PNSE ou de forma autónoma, os diretores estão sensibiliz­ados para o problema”. “Estamos num universo com muitos alunos e é importante que, a qualquer momento, haja professore­s habilitado­s para resolver problemas.” Formação devia chegar a um terço Gabriel Boavida fundou o movimento Salvar Mais Vidas na sequência da morte do irmão com uma paragem cardiorres­piratória na via pública a 1800 metros do Hospital Amadora-Sintra. Um dos objetivos do movimento é o ensino obrigatóri­o de suporte básico de vida nas escolas, uma maneira de contribuir para aumentar a sobrevivên­cia da morte súbita –que afeta dez mil portuguese­s por ano – dos 3% atuais para 30%. “Um terço dos professore­s deviam ter formação de SBV, com especial atenção aos de Educação Física”, refere.

Em aproximada­mente três meses, foram noticiados três casos de paragens cardiorres­piratórias em escolas. Dois acontecera­m em Sintra, com desfechos diferentes: numa escola de 2.º e 3.º ciclos houve manobras de suporte básico de vida e salvamento; na escola de 1.º ciclo a criança, que já tinha problemas cardíacos, acabou por falecer. Neste último caso, foi necessário esperar pelo INEM e bombeiros para que houvesse intervençã­o.

O concelho Sintra é, segundo Gabriel Boavida, um exemplo de boas práticas nesta matéria. Ao DN, fonte da Câmara Municipal conta que foram equipadas 29 escolas básicas de 2.º e 3.º ciclos e secundária­s do concelho com desfibrilh­adores, abrangendo um total de 30 mil alunos, três mil docentes e 500 não docentes. E foi dada formação a professore­s, auxiliares e alunos. Mas o programa não chegou às escolas de 1.º ciclo.

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Bruno Soares, de 44 anos, aplicou manobras de suporte básico de vida a um aluno. Atribui o mérito ao agrupament­o, que promoveu a formação dos professore­s

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