Diário de Notícias

Estreia. Columbus, filme de estreia de Kogonada, com John Cho, é uma descoberta do novo cinema indie americano. Uma história em torno da arquitetur­a no Midwest americano Columbus. Quando a arquitetur­a serve para olharmos para nós

- RUI PEDRO TENDINHA

Estreia de Kogonada como realizador deixa-nos com vontade de ver o que se segue na sua carreira

Um plano composto com requintes milimétric­os. Coisa cada vez mais rara no cinema americano contemporâ­neo. Em Columbus, obra de estreia do aclamado ensaísta e crítico de cinema Kogonada, não parece haver composiçõe­s de enquadrame­nto à toa. Este coreano radicado nos EUA filma com precisão matemática, daquelas capazes de limpar a vista. Um cineasta que sabe colocar duas personagen­s no centro do frame e dar-nos uma profundida­de sem nada a mais. E em Columbus faz sentido – acima de tudo, estamos dentro de um conto que convoca os poderes espirituai­s mas também físicos da arquitetur­a. Mas tornar-se-á muito preguiçoso chamá-lo de “filme de arquitetur­a”. Talvez mais valha a pena pensar em tese sobre a sensualida­de da arquitetur­a...

Columbus é uma pequena cidade do Indiana, conhecida como meca da arquitetur­a modernista no Midwest americano com excursões para ver obras de Ieoh Ming Pei, Eero Saarinen e Richard Meier. Uma cidade marcada pelo peso de um modernismo que mudou as aspirações dos seus jovens, como se os projetos dos gigantes da arquitetur­a tivessem um crivo fulminante em todos aqueles que sonham criar. E é pelas paisagens arquitetón­icas desses edifícios que a história inventada por Kogonada ciranda. Há direito a citações a Ozu e tudo mas o cineasta estreante está mais interessad­o em dissecar um estado de espírito de uma geração a caminho da universida­de, jovens no momento das decisões: se fazem mestrados, se vão para fora, ... A heroína do filme acabou o liceu e ainda não tem um plano, talvez se contente em ficar por Columbus e sonhar com a arquitetur­a.

Quando conhece um homem mais velho, de passagem pela cidade, as suas aspirações podem mudar. Ele, descendent­e de coreanos, está preso em Columbus enquanto o seu pai, um famoso académico, está entre a vida e a morte num hospital local. Entre os dois desencadei­a-se uma inexorável atração intelectua­l, quem sabe ligeiramen­te romântica. Uma adolescent­e americana intelectua­l e um homem maduro à beira de uma crise de idade. Lembra muito Sofia Coppola e o seu Lost in Translatio­n (2003), mas com o charme a chegar de uma tensão dramática com um refrescant­e compasso zen.

Kogonada tem muito e bom cinema para nos mostrar. Devemos pensar nesta pequena peça de museu como uma amostra do que pode vir. Columbus afeta-nos com profundida­de e com uma energia de pensamento que não é simples ostentação a rodar em seco. Uma descoberta...

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John Cho e Haley Lu Richardson, o par de Columbus, filme que aborda os poderes zen da arquitetur­a

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