A arena global
Os anos 30 do século passado foram para a Europa um período de desastres, de tal modo que historiadores decidiram chamar-lhe “Europa em pedaços”. A caracterização de cada um dos pedaços foi ideologicamente identificado pelo combate entre comunismo, fascismo, democracia, tudo conduzindo à tragédia da II Guerra Mundial. O método das fotografias como garantia de salvaguardar a memória, de novo posta em evidência pela chamada “fotografia viral” do Grupo dos 7, tem um significativo precedente na que perpetua o encontro de Chamberlain com Hitler em Godesberg no dia 24 de setembro de 1938 e, depois de muitas hesitações das potências que viriam a enfrentá-lo nessa guerra, de novo outra fotografia perpetua a reunião de Munique, que a partir de 1 de outubro permitiu a Hitler começar a ocupação dos Sudetas, e na qual figuram Hitler fardado, rodeado por Chamberlain, Daladier, Mussolini e Ciano, sendo Hitler o único com as mãos fechadas como que a guardar as vantagens obtidas, e os restantes de mãos abertas e vazias. Não obstante a fugaz e enganadora alegria das manifestações com que Chamberlain foi festejado pelos londrinos, não faltou imediatamente a intervenção parlamentar de Winston Churchill, nos Comans: “Não reprovo ao nosso povo leal e bravo... a expansão de alegria e de alívio perante o anúncio de que a dura prova (da guerra) lhe seria por enquanto poupada. Mas é preciso que saiba a verdade... que saiba que sofremos uma derrota sem ter feito a guerra, derrota cujas consequências irão durante muito tempo fazer-se sentir...” Numa entrevista de 19 de setembro, desesperado, Eden disse pensar que “não apenas os povos da Europa Oriental mas também Portugal cairiam inevitavelmente sob o domínio alemão”. Os factos não podem evitar recordar-se este passado, designadamente lendo com vantagem o excelente e documentado livro do embaixador José Manuel Duarte de Jesus, sobre a Coreia do Norte (2018), e comparar o processo seguido por Trump com o passado dos anos 1930 europeus, a prudência da visita feita por Madeleine Albright a Pyongyang em outubro de 2000, o esforço coletivo para evitar a multiplicação de potências nucleares, o aviso de Kissinger para o perigo que atingiria vários países, até para a anarquização das alianças. Agora, depois de um debate verbal diplomaticamente inovador entre o presidente dos EUA e o “divinizado” líder da Coreia, que finalmente se encontraram em Singapura, o primeiro voltou a Washington esforçando-se por capitalizar apoio eleitoral, livre para separar mães e filhos de emigrantes e concedendo ao seu adversário a projeção universal de ter conseguido um encontro de iguais com o presidente mais poderoso da arena global em que o mundo se transformou. Tudo presidido pela ambição da America First. Não é de presumir, em vista de percursos conhecidos, que se encontre no Senado alguém com a dimensão de um Churchill que, com clareza de estadista, explique os riscos da realidade coberta pelas palavras. Em primeiro lugar, no que toca a Trump, a comprovada falta de respeito pelos acordos e tratados, que a ordem internacional não pode deixar tratar como papéis sem valor nem ético nem jurídico. A infundada atitude entre a indelicadeza e a desconsideração com que se permite tratar representantes de Estados seus aliados, como aconteceu na reunião do G7, chegando tarde, retirando-se cedo, escutando desinteressado os que advertiam para os efeitos da guerra comercial que lhe ocorreu iniciar, tudo de novo documentado por uma fotografia que a imprensa considerou viral; estadistas incómodos que não tiveram ocasião de lhe pedir explicações sobre a sua displicência contabilista em relação à NATO, nem acrescentar o negligente abandono da UNESCO, talvez por não estar informado sobre a importância do Património Imaterial da Humanidade; acrescendo o abandono do Acordo de Paris, quando mais de metade dos países da ONU não possuem capacidade para enfrentar os já violentos ataques da natureza em mudança; nem sobre a intervenção na situação de Jerusalém, onde o número de mortos já vai sublinhando o mérito da intervenção, ao que parece agora adiada por “motivos jurídicos”. Pode ser que mantenha o mesmo método da própria inspiração, mas os que amam a América de Jefferson, de Lincoln, de Roosevelt e que não esquecem as campas da Normandia não podem deixar de sugerir que a política da Casa no Alto da Colina ganharia em ser precedida pela intervenção experiente, informada, apoiada em estudos sérios dos diplomatas, em que os responsáveis pela governação se informam antes de tomar decisões guiadas por inspiração solitária. Porque esta é responsável, entre mais causas, do acentuar do outono ocidental, em busca de uma “ONU da paz” que garanta o “nunca mais” que animou a sua fundação. E que ponha um ponto final na situação de arena global em que nos encontramos, dando conteúdo inviolável às notícias que envolvem a esperança e o futuro de vários povos e a confiança restaurada nos estadistas intervenientes.
Depois de um debate verbal diplomaticamente inovador entre o presidente dos EUA e o divinizado líder da Coreia, que finalmente se encontraram em Singapura, o primeiro voltou a Washington esforçando-se por capitalizar apoio eleitoral, livre para separar mães e filhos de emigrantes, e concedendo ao seu adversário a projeção universal de ter conseguido um encontro de iguais com o presidente mais poderoso da arena global em que o mundo se transformou