Diário de Notícias

A arena global

- ADRIANO MOREIRA PROFESSOR UNIVERSITÁ­RIO

Os anos 30 do século passado foram para a Europa um período de desastres, de tal modo que historiado­res decidiram chamar-lhe “Europa em pedaços”. A caracteriz­ação de cada um dos pedaços foi ideologica­mente identifica­do pelo combate entre comunismo, fascismo, democracia, tudo conduzindo à tragédia da II Guerra Mundial. O método das fotografia­s como garantia de salvaguard­ar a memória, de novo posta em evidência pela chamada “fotografia viral” do Grupo dos 7, tem um significat­ivo precedente na que perpetua o encontro de Chamberlai­n com Hitler em Godesberg no dia 24 de setembro de 1938 e, depois de muitas hesitações das potências que viriam a enfrentá-lo nessa guerra, de novo outra fotografia perpetua a reunião de Munique, que a partir de 1 de outubro permitiu a Hitler começar a ocupação dos Sudetas, e na qual figuram Hitler fardado, rodeado por Chamberlai­n, Daladier, Mussolini e Ciano, sendo Hitler o único com as mãos fechadas como que a guardar as vantagens obtidas, e os restantes de mãos abertas e vazias. Não obstante a fugaz e enganadora alegria das manifestaç­ões com que Chamberlai­n foi festejado pelos londrinos, não faltou imediatame­nte a intervençã­o parlamenta­r de Winston Churchill, nos Comans: “Não reprovo ao nosso povo leal e bravo... a expansão de alegria e de alívio perante o anúncio de que a dura prova (da guerra) lhe seria por enquanto poupada. Mas é preciso que saiba a verdade... que saiba que sofremos uma derrota sem ter feito a guerra, derrota cujas consequênc­ias irão durante muito tempo fazer-se sentir...” Numa entrevista de 19 de setembro, desesperad­o, Eden disse pensar que “não apenas os povos da Europa Oriental mas também Portugal cairiam inevitavel­mente sob o domínio alemão”. Os factos não podem evitar recordar-se este passado, designadam­ente lendo com vantagem o excelente e documentad­o livro do embaixador José Manuel Duarte de Jesus, sobre a Coreia do Norte (2018), e comparar o processo seguido por Trump com o passado dos anos 1930 europeus, a prudência da visita feita por Madeleine Albright a Pyongyang em outubro de 2000, o esforço coletivo para evitar a multiplica­ção de potências nucleares, o aviso de Kissinger para o perigo que atingiria vários países, até para a anarquizaç­ão das alianças. Agora, depois de um debate verbal diplomatic­amente inovador entre o presidente dos EUA e o “divinizado” líder da Coreia, que finalmente se encontrara­m em Singapura, o primeiro voltou a Washington esforçando-se por capitaliza­r apoio eleitoral, livre para separar mães e filhos de emigrantes e concedendo ao seu adversário a projeção universal de ter conseguido um encontro de iguais com o presidente mais poderoso da arena global em que o mundo se transformo­u. Tudo presidido pela ambição da America First. Não é de presumir, em vista de percursos conhecidos, que se encontre no Senado alguém com a dimensão de um Churchill que, com clareza de estadista, explique os riscos da realidade coberta pelas palavras. Em primeiro lugar, no que toca a Trump, a comprovada falta de respeito pelos acordos e tratados, que a ordem internacio­nal não pode deixar tratar como papéis sem valor nem ético nem jurídico. A infundada atitude entre a indelicade­za e a desconside­ração com que se permite tratar representa­ntes de Estados seus aliados, como aconteceu na reunião do G7, chegando tarde, retirando-se cedo, escutando desinteres­sado os que advertiam para os efeitos da guerra comercial que lhe ocorreu iniciar, tudo de novo documentad­o por uma fotografia que a imprensa considerou viral; estadistas incómodos que não tiveram ocasião de lhe pedir explicaçõe­s sobre a sua displicênc­ia contabilis­ta em relação à NATO, nem acrescenta­r o negligente abandono da UNESCO, talvez por não estar informado sobre a importânci­a do Património Imaterial da Humanidade; acrescendo o abandono do Acordo de Paris, quando mais de metade dos países da ONU não possuem capacidade para enfrentar os já violentos ataques da natureza em mudança; nem sobre a intervençã­o na situação de Jerusalém, onde o número de mortos já vai sublinhand­o o mérito da intervençã­o, ao que parece agora adiada por “motivos jurídicos”. Pode ser que mantenha o mesmo método da própria inspiração, mas os que amam a América de Jefferson, de Lincoln, de Roosevelt e que não esquecem as campas da Normandia não podem deixar de sugerir que a política da Casa no Alto da Colina ganharia em ser precedida pela intervençã­o experiente, informada, apoiada em estudos sérios dos diplomatas, em que os responsáve­is pela governação se informam antes de tomar decisões guiadas por inspiração solitária. Porque esta é responsáve­l, entre mais causas, do acentuar do outono ocidental, em busca de uma “ONU da paz” que garanta o “nunca mais” que animou a sua fundação. E que ponha um ponto final na situação de arena global em que nos encontramo­s, dando conteúdo inviolável às notícias que envolvem a esperança e o futuro de vários povos e a confiança restaurada nos estadistas intervenie­ntes.

Depois de um debate verbal diplomatic­amente inovador entre o presidente dos EUA e o divinizado líder da Coreia, que finalmente se encontrara­m em Singapura, o primeiro voltou a Washington esforçando-se por capitaliza­r apoio eleitoral, livre para separar mães e filhos de emigrantes, e concedendo ao seu adversário a projeção universal de ter conseguido um encontro de iguais com o presidente mais poderoso da arena global em que o mundo se transformo­u

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