Amarrados ao chão
1Foi recentemente divulgado pela OCDE um importante relatório intitulado A Broken Social Elevator? How to Promote Social Mobility (Um Elevador Social Avariado? Como Promover a Mobilidade Social). O estudo que suportou este relatório conclui que, em termos gerais, há, sobretudo desde os anos 80 do século passado, uma redução das oportunidades de mobilidade social no conjunto dos países da OCDE. Isto significa duas coisas. Primeiro, que nestes países é cada vez mais provável que quem ocupa os lugares inferiores das hierarquias sociais não só neles permaneça ao longo do seu ciclo de vida como transmita essas posições aos filhos. Segundo, que quem ocupa os lugares de topo também neles permaneça e também os transmita aos filhos. Amarrados ao chão na base, colados ao teto no topo, assim seriam cada vez mais as posições no espaço das relações entre desigualdade e mobilidade nos países da OCDE.
2Este relatório faz parte de um projeto mais vasto que tem como objetivo a promoção do desenvolvimento económico centrado nas pessoas (e não apenas centrado no controlo do défice). A falta de oportunidades que resulta do bloqueio da mobilidade social tem consequências políticas e económicas. Segundo os autores do estudo, a ausência de expectativas de mobilidade e de melhoria das condições de vida para si e para os seus explicaria, por um lado, o crescimento da adesão aos discursos e práticas populistas um pouco por todo o mundo desenvolvido e, por outro lado, as dificuldades de funcionamento das economias.
3Os bloqueios à mobilidade social não têm a mesma intensidade em cada um dos países da OCDE. Eles são bem menores nos países nórdicos, conhecidos pela história longa dos seus estados sociais, e maiores nos países continentais e anglo-saxónicos. Em média, na OCDE, a manter-se a situação atual, são necessárias quatro gerações e meia para que as crianças das famílias mais pobres passem a ter um rendimento próximo da média do seu país. Porém, nos países nórdicos esse tempo baixa para duas a três gerações, enquanto em Portugal sobe para cinco e na Alemanha para seis (e 11 na Colômbia). Ou seja, as políticas têm efeitos sobre a amplitude da desigualdade e o grau da sua reprodução ou atenuação.
4A posição de Portugal neste estudo revela alguma heterogeneidade interna. Como outros países da Europa do sul, apesar da desigualdade elevada, a progressão no plano dos rendimentos é superior à média. Em boa parte, este desempenho poderá explicar-se pelo ponto de partida baixo em países europeus ainda muito pobres e atrasados no pós-guerra. No entanto, e também como outros países da Europa do sul, a posição de Portugal neste retrato da mobilidade social é de grande bloqueio, em planos mais estruturais. Nomeadamente, nos planos da mobilidade profissional educacional, o bloqueio à mobilidade social é muito marcado. A comparação entre todos os países da OCDE para os quais há informação disponível mostra que Portugal tem a mais baixa probabilidade de um filho de trabalhadores manuais vir a ocupar um lugar de gestão: hoje e no futuro próximo, mais de metade dos filhos de trabalhadores manuais serão também trabalhadores manuais, e menos de 10% acederão a um lugar de gestão.
5Numa análise mais integrada, o que surge como mais distintivo no caso português é o facto de estar no topo dos países de baixa mobilidade educacional. Esta mobilidade, argumenta-se no estudo, depende hoje dos investimentos feitos no passado em educação e dependerá, amanhã, dos investimentos feitos agora. Numa conjuntura de retração do investimento público na generalidade dos países da OCDE, mas que tem nos Estados com maiores dívidas públicas uma expressão agravada, está-se a prolongar no futuro próximo o bloqueio do elevador educacional da mobilidade. E num país como Portugal, com um enorme atraso histórico nos níveis de qualificação da sua população, o agravamento do bloqueio, por esta via, é ainda maior.
6Porém, não chega investir. Um gráfico na página 39 do relatório revela um posicionamento atípico de Portugal na relação entre investimento na educação e mobilidade educacional. De facto, Portugal é, nesse gráfico, o país em que os investimentos feitos em educação, na segunda metade dos anos 1990, menos resultados tiveram. O que significa que haverá no país não só défices de investimento, sobretudo quando se tem em conta o atraso histórico neste domínio, mas também problemas de desempenho no funcionamento do sistema educativo. Precisamos de investir mais, mas precisamos também de ponderar muito bem os objetivos e domínios desse investimento. Ou então desistir de ter amanhã um país menos desigual e menos “amarrado ao chão”.