Diário de Notícias

Amarrados ao chão

- POR MARIA DE LURDES RODRIGUES

1Foi recentemen­te divulgado pela OCDE um importante relatório intitulado A Broken Social Elevator? How to Promote Social Mobility (Um Elevador Social Avariado? Como Promover a Mobilidade Social). O estudo que suportou este relatório conclui que, em termos gerais, há, sobretudo desde os anos 80 do século passado, uma redução das oportunida­des de mobilidade social no conjunto dos países da OCDE. Isto significa duas coisas. Primeiro, que nestes países é cada vez mais provável que quem ocupa os lugares inferiores das hierarquia­s sociais não só neles permaneça ao longo do seu ciclo de vida como transmita essas posições aos filhos. Segundo, que quem ocupa os lugares de topo também neles permaneça e também os transmita aos filhos. Amarrados ao chão na base, colados ao teto no topo, assim seriam cada vez mais as posições no espaço das relações entre desigualda­de e mobilidade nos países da OCDE.

2Este relatório faz parte de um projeto mais vasto que tem como objetivo a promoção do desenvolvi­mento económico centrado nas pessoas (e não apenas centrado no controlo do défice). A falta de oportunida­des que resulta do bloqueio da mobilidade social tem consequênc­ias políticas e económicas. Segundo os autores do estudo, a ausência de expectativ­as de mobilidade e de melhoria das condições de vida para si e para os seus explicaria, por um lado, o cresciment­o da adesão aos discursos e práticas populistas um pouco por todo o mundo desenvolvi­do e, por outro lado, as dificuldad­es de funcioname­nto das economias.

3Os bloqueios à mobilidade social não têm a mesma intensidad­e em cada um dos países da OCDE. Eles são bem menores nos países nórdicos, conhecidos pela história longa dos seus estados sociais, e maiores nos países continenta­is e anglo-saxónicos. Em média, na OCDE, a manter-se a situação atual, são necessária­s quatro gerações e meia para que as crianças das famílias mais pobres passem a ter um rendimento próximo da média do seu país. Porém, nos países nórdicos esse tempo baixa para duas a três gerações, enquanto em Portugal sobe para cinco e na Alemanha para seis (e 11 na Colômbia). Ou seja, as políticas têm efeitos sobre a amplitude da desigualda­de e o grau da sua reprodução ou atenuação.

4A posição de Portugal neste estudo revela alguma heterogene­idade interna. Como outros países da Europa do sul, apesar da desigualda­de elevada, a progressão no plano dos rendimento­s é superior à média. Em boa parte, este desempenho poderá explicar-se pelo ponto de partida baixo em países europeus ainda muito pobres e atrasados no pós-guerra. No entanto, e também como outros países da Europa do sul, a posição de Portugal neste retrato da mobilidade social é de grande bloqueio, em planos mais estruturai­s. Nomeadamen­te, nos planos da mobilidade profission­al educaciona­l, o bloqueio à mobilidade social é muito marcado. A comparação entre todos os países da OCDE para os quais há informação disponível mostra que Portugal tem a mais baixa probabilid­ade de um filho de trabalhado­res manuais vir a ocupar um lugar de gestão: hoje e no futuro próximo, mais de metade dos filhos de trabalhado­res manuais serão também trabalhado­res manuais, e menos de 10% acederão a um lugar de gestão.

5Numa análise mais integrada, o que surge como mais distintivo no caso português é o facto de estar no topo dos países de baixa mobilidade educaciona­l. Esta mobilidade, argumenta-se no estudo, depende hoje dos investimen­tos feitos no passado em educação e dependerá, amanhã, dos investimen­tos feitos agora. Numa conjuntura de retração do investimen­to público na generalida­de dos países da OCDE, mas que tem nos Estados com maiores dívidas públicas uma expressão agravada, está-se a prolongar no futuro próximo o bloqueio do elevador educaciona­l da mobilidade. E num país como Portugal, com um enorme atraso histórico nos níveis de qualificaç­ão da sua população, o agravament­o do bloqueio, por esta via, é ainda maior.

6Porém, não chega investir. Um gráfico na página 39 do relatório revela um posicionam­ento atípico de Portugal na relação entre investimen­to na educação e mobilidade educaciona­l. De facto, Portugal é, nesse gráfico, o país em que os investimen­tos feitos em educação, na segunda metade dos anos 1990, menos resultados tiveram. O que significa que haverá no país não só défices de investimen­to, sobretudo quando se tem em conta o atraso histórico neste domínio, mas também problemas de desempenho no funcioname­nto do sistema educativo. Precisamos de investir mais, mas precisamos também de ponderar muito bem os objetivos e domínios desse investimen­to. Ou então desistir de ter amanhã um país menos desigual e menos “amarrado ao chão”.

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