O português que ensinou a Sandra Bullock a arte de enganar
Português. Hélder Guimarães foi consultor em Ocean’s 8. O mágico está em Portugal a apresentar o espetáculo Ponto de Fuga
Entre Portugal e os EUA, Hélder Guimarães vive dias ativos. O mágico português está nas bocas do mundo. O The Hollywood Reporter, publicação mítica de cinema, destacou a sua participação como consultor em Ocean’s 8, de Gary Ross, e também, recentemente, foi consultor de outras grandes produções de Hollywood, uma delas para a Disney, embora contratualmente não possa divulgar o nome do filme – quer se queira quer não, Hollywood ainda luta pela dignidade do significado “magia do cinema”. Tudo isto numa altura em que regressou ao nosso país para promover o espetáculo Ponto de Fuga.
Quando o encontramos num café lisboeta, na sua memória está ainda fresco o dia de promoção de Ocean’s 8, em Nova Iorque, onde numa sala ao lado onde Sandra Bullock, Cate Blanchett e companhia davam entrevistas, falava com bloggers de todo o mundo e revelava alguns dos truques que contou às estrelas do sucesso da Warner.
Afinal, que truques são esses que encantaram algumas das atrizes mais famosas de Hollywood? “Muito simplesmente o que lhes procurei transmitir foi o mindset dos con artists, os artistas de vigarice. Aquela cena logo do início, no hotel, depois de a personagem da Sandra Bullock sair da prisão, é toda baseada em coisas que falámos e até alteraram um pouco do guião. Claro que reescreveram ao critério deles, mas houve coisas que disse que faziam mais sentido de uma certa maneira. A nível de expressão corporal tive mais a ver com a cena da carteirista, interpretada por Awkwafina. O que eles basicamente queriam é que explicasse à Cate e à Sandra como essas coisas são feitas, elas precisavam de saber. Quando elas dizem que a carteirista é mesmo boa, era realmente conveniente perceberem por que razão reconheciam isso. Tinham de perceber como essas coisas se passam no mundo real.”
O mágico português que tem fãs como Steve Martin, Neil Patrick Harris e o realizador J.J. Abrams não nos faz truques de carta enquanto desvenda segredos desta consultoria, mas vai dizendo que adorou trabalhar com as duas divas: “Foram muito disponíveis e curiosas, especialmente a Sandra que quis ser muito prática. A dada altura chegou a pegar num baralho de cartas para tentar ela própria fazer um truque. A Cate queria mesmo perceber como tudo funciona para depois na câmara parecer natural, real. Isso nota-se bem. Estive na rodagem e há um momento em que a personagem da Sandra deixa um diamante no bolso de um homem. Quando treinei a cena com ela disse-lhe que era importante nunca olhar para a pessoa antes de entrar no seu espaço pessoal. Fez tudo correto.”
Também no começo do filme temos um momento em que Sandra Bullock comete uma burla num grande armazém. Um tipo de burla que parece ser demasiado fácil para acontecer na realidade, mas Hélder diz-nos que a golpada não é implausível: “Diria até que é muito fácil se tirarmos os códigos e fizermos tudo o que ela faz no filme. Só muito mais tarde é que a empregada de balcão pode perceber.” Na verdade, Ocean’s 8, por cortesia deste mestre da ilusão, é um manual para pequenos delitos...
Se todos os mágicos quase têm de ser bons atores, Hélder não foge à regra, embora pareça ser sincero quando confessa que no começo ficou deslumbrado em estar a dar dicas a Sandra Bullock e Cate Blanchett. Um deslumbramento muito efémero: “Mal comecei a trabalhar diretamente com elas esqueci que era a Sandra Bullock ou a Cate Blanchett dos filmes. Elas são tão profissionais que fiquei logo com aquela sensação de que elas não eram inacessíveis. Trabalham muito e foram super-recetivas... Seja como for, não deixou de ser surreal. Lembro-me de um dia, em pleno décor, a Cate Blanchett aparecer e começar a falar como a personagem. Fiquei surpreendido!”
Entre espetáculos a solo e atuações em eventos de empresa (que muitas vezes são sobretudo palestras sobre perceção), o nome de Hélder Guimarães é cada vez mais uma referência nos EUA.
A sua entrada em Ocean’s 8 nasceu após um dos produtores do filme ter adorado um dos seus espetáculos. Dias depois estava a receber um convite para uma reunião com o realizador. “Queriam-me só para ajudar numa cena, mas depois convidaram-me para uma consultoria mais alargada, sempre em função do princípio da perceção de que uma vigarice bem feita passa por fazer confiar no que estamos a dizer para posteriormente darmos a volta. Na altura, explicaram-me que era importante explicar isso às atrizes, mesmo não revelando os seus nomes. Só quase na véspera do encontro é que me disseram quem eram. Aliás, no começo nem me disseram qual o filme. Quando percebi que era o Ocean’s nem quis acreditar – sou fã dos anteriores! Quando vi o primeiro filme nem imaginava que iria estar a viver na América, quanto mais estar ligado a este universo. Mesmo sendo apenas um grão de areia, é curioso perceber como tudo conta nestes filmes. Gostei muito desta experiência, sobretudo porque estive a vários níveis, do guião à consultoria, passando pela presença nas filmagens.” Cheque chorudo? Mas a escala de um grande filme de Hollywood permite um cheque daqueles mesmo chorudos? Hélder garante que esta colaboração
“Quando percebi que era o Ocean’s nem quis acreditar – sou fã dos anteriores”, reconhece o mágico português “Mal comecei a trabalhar com elas esqueci que eram a Sandra Bullock e a Cate Blanchett”, diz o mágico
não o deixou milionário, mas esclarece que não foi mal pago. Seja como for, após este Ocean’s feminino a vida de Hélder Guimarães vai estar mais no continente americano. O cinema é uma porta cada vez mais escancarada, sobretudo porque tem estado muito em contacto com o novo patrão de Star Wars, o realizador J.J. Abrams, fã de uma das suas últimas experiências imersivas. “De repente ouço algo que nunca esperei: o J.J. Abrams a dizer que é fã do meu trabalho”, confessa. Ainda assim, a prioridade vai para o espetáculo a solo numa das salas mais prestigiadas de Los Angeles, o Teatro Geffen, onde estreará em maio do próximo ano um novo conceito com encenação de Frank Marshall, produtor de Steven Spielberg e realizador de obras como a fantasia Aracnofobia. Garante-nos que no meio da ilusão não vai faltar o seu humor tão português: “Será um espetáculo mais intimista. A diferença entre os meus espetáculos na América é que jogo sempre com o facto de não ser de lá. Sou sempre uma visão externa da realidade americana.” Não é por acaso que este homem com sotaque do Porto esteja tão contaminado pelo cinema... e pela arte do engano.