Actas da Comissão Transitória de Fiscalização Efémera da Primeira Evanescente Semana do Mundial
Seis dias passaram, a primeira jornada da fase de grupos foi concluída, todo o elenco já entrou em cena. Está na altura de fazermos um pequeno balanço, nomeando alguns heróis, denunciando alguns culpados e fazendo comentários gratuitos sobre sinais gráficos.
Prémio Melhor Golo:
Coutinho (Brasil, contra a Suíça)
Embora não haja nada de errado com livres directos superiormente executados, nem com bolas superiormente arremessadas para áreas inferiormente povoadas por defesas sauditas ou tunisinos (duas nações cujos habitantes estão proibidos por lei de disputar bolas altas), optou-se por atribuir o prémio a um lance de bola corrida. O golo de Nacho a Portugal seria outro candidato, mas em igualdade de circunstâncias, devemos sempre privilegiar grandes golos marcados por pessoas que marcam regularmente grandes golos em detrimento de grandes golos marcados por pessoas que marcam grandes golos uma ou duas vezes na vida.
Prémio Melhor Finta:
A colherada de Cheryshev (Rússia) antes do 2-0 à Arábia Saudita no jogo inaugural
A escassez de boas fintas tem sido um dos aspectos negativos do Mundial até agora. A de Cheryshev foi imaginativa e tecnicamente perfeita, mesmo beneficiando de uma excentricidade da dupla de centrais saudita, que é o hábito de tentar entradas de carrinho em qualquer situação. Provavelmente vão às compras em entradas de carrinho. Provavelmente apanham o autocarro em entradas de carrinho. Ainda assim, desviar a bola dos adversários mantendo-a colada à relva é hoje em dia um gesto muito mais comum do que erguê-la uns centímetros acima de um chavascal de membros inferiores, pelo que a raridade confere pontos extra a Cheryshev.
Prémio Melhor Anacronismo:
Kramaric (Croácia)
Categoria indirectamente relacionada com a anterior. O Mundial tem mostrado um naipe de excelentes praticantes da mudança de velocidade e do drible em aceleração (Lozano do México, Ismaïla Sarr do Senegal, o peruano Carrillo), mas Kramaric é dos poucos representantes de uma espécie em vias de extinção: o jogador que tenta a finta partindo de uma posição estática. Só a usou por duas vezes no jogo contra a Nigéria, mas foi tão inesperado como ver materializar-se em campo uma relíquia dos anos oitenta.
Prémio Melhor Festejo:
Dzyuba (Rússia), após o 3-0 à Arábia Saudita
Artem Dzyuba: 196 centímetros e noventa quilos de recursos humanos neocossacos, com aspecto de quem se alimentou exclusivamente de ursos, pinheiros e destroços de tanques T-26 desde o cerco de Estalinegrado. Ao escancarar os maxilares para gritar o seu golo, rasgou uma circunferência no tecido histórico capaz de engolir qualquer desejo separatista, qualquer impulso contestatário. O mais surpreendente foi o facto de todas as outras selecções em prova não se terem rendido de imediato.
Prémio Exibição Individual Mais Decisiva:
Com certeza, estamos todos de acordo, nem sequer há assunto.
Prémio Melhor Português de Sempre:
Exactamente, ou seja, esse mesmo.
Prémio Melhor Confirmação de Estereótipos:
A Inglaterra continua a não saber jogar à bola.
Prémio Pior Subversão de Estereótipos:
A Inglaterra ganhou o jogo de estreia.
Prémio Melhor Nome Hifenizado:
Loftus-Cheek.
Uma vez que Alexander-Arnold (Inglaterra) e Krohn-Dehli (Dinamarca) ainda não se estrearam, e excluindo todos os sul-coreanos por motivos de bom senso, o prémio foi disputado apenas pelo sérvio Milinkovic-Savic e pelo inglês Loftus-Cheek. O primeiro parece apenas uma rectificação apressada: como se o comentador quisesse chamar-lhe uma coisa, começasse por chamar-lhe outra, e tentasse corrigir o erro. No segundo existe uma coerência fonética, uma superior integridade de nomenclatura que faz a balança pender para o seu lado (além de o nome em si soar exactamente como o nome de um aristocrata aflito imaginado por P. G.Wodehouse).
Prémio Nações Unidas:
Thiago Cionek.
Nasceu em Curitiba, passou por Bragança, joga actualmente em Itália, foi à Rússia representar a Polónia e marcou um autogolo a favor do Senegal. Poucas jornadas diplomáticas terão sido tão triunfantes.
Onze ideal da primeira semana (num audacioso sistema táctico 3-5-2): K. Schmeichel (Dinamarca); Giménez (Uruguai), Moreno (México) e Gallardo (México); Golovin (Rússia), Islandêsson Genéricsson (Islândia), Kanté (França), Herrera (México) e Lozano (México); Cristiano Ronaldo (Portugal) e Diego Costa (Espanha).
Por decisão pessoal, o autor do texto não escreve segundo o novo Acordo Ortográfico
Dzyuba: 196 centímetros e 90 quilos de recursos humanos neocossacos, com aspecto de quem se alimentou exclusivamente de ursos, pinheiros e destroços de tanques T-26 desde o cerco de Estalinegrado