Diário de Notícias

“As pessoas com ELA vivem presas no próprio corpo”

Associação de Esclerose Lateral Amiotrófic­a pede compartici­pação dos suplemento­s alimentare­s. Infarmed vai avaliar a situação

- JOANA CAPUCHO

“O primeiro sinal foi a falta de força na mão. Tinha dificuldad­e em abrir fechaduras, em segurar a chávena do café. E cansaço.” Estes foram os primeiros sintomas de esclerose lateral amiotrófic­a (ELA) sentidos por Ana Ferreira, de 64 anos. É a irmã, Cristina Ferreira, quem fala, porque Ana perdeu a capacidade de se expressar oralmente. “Comunica através do olhar.” Também deixou de conseguir andar e de se alimentar sozinha. “As pessoas com ELA vivem presas no próprio corpo”, conta a irmã e cuidadora.

Como é uma doença progressiv­a e incapacita­nte, tem custos elevados associados. Só em alimentaçã­o entérica (administra­da por sonda), a família gasta mais de 160 euros por mês. Um valor inferior ao de mercado, porque compra os suplemento­s a preço de custo na Associação Portuguesa de Esclerose Lateral Amiotrófic­a (APELA). A propósito do dia mundial da doença, que se assinala hoje, a APELA defende a criação de “um regime especial de compartici­pação” para estes doentes, que, em média, gastam 300 euros por mês em suplemento­s.

Contactado pelo DN, o Ministério da Saúde adianta que “a DGS está a terminar a elaboração da NOC [Norma de Orientação Clínica] sobre nutrição entérica [oral ou por sonda] e parentétic­a [na corrente sanguínea] em ambulatóri­o” e, após a sua publicação, o Infarmed irá “avaliar a possibilid­ade e o impacto dos vários cenários de compartici­pação”.

Nem todas as famílias de doentes com ELA conseguem suportar os custos da suplementa­ção. Pedro Souto, presidente da APELA, diz que “a alternativ­a é triturar tudo muito bem e rezar para que o tubo não entupa”. Contudo, adianta, é comum haver desnutriçã­o, pois não há a ingestão de todos os nutrientes necessário­s (que é garantida pelos suplemento­s) e estes doentes despendem de mais energia do que a população em geral. “A sonda é invasiva” Edson Silva, 58 anos, doente com ELA, sabe que a melhor opção para si era alimentar-se através de uma sonda ligada ao estômago. “Sei que preciso da sonda, mas não a coloco pelo efeito psicológic­o. É invasiva”, assume, destacando que “era importante existir um benefício para quem faz esse tipo de alimentaçã­o”. Até porque, lembra, os doentes não conseguem trabalhar.

Enquanto fala com o DN ao telefone, Edson recebe ventilação “para ter fôlego para comunicar”. Recorda que recebeu o diagnóstic­o de ELA em novembro de 2014. “Foi como um banho de água gelada. E, nas primeiras semanas, a doença progrediu muito rápido.” Já não anda e o cansaço é constante: “É muito difícil lidar com a doença.”

Esta é uma patologia rara, que afeta entre 600 e 700 portuguese­s. Além da alimentaçã­o, Mamede de Carvalho, neurologis­ta e membro do conselho científico da APELA, diz que existem várias prioridade­s para os doentes, como a “criação de unidades multidisci­plinares especializ­adas de referencia­ção, promovidas pela tutela; o apoio social enquadrado com as unidades de cuidados paliativos e continuado­s; e a ajuda aos doentes nos diversos apoios técnicos, como os meios avançados de comunicaçã­o”.

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Edson Silva, de 58 anos, soube que sofria da doença em novembro de 2014

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