Diário de Notícias

Foi você que disse Billy Wilder?

- JOÃO LOPES CRÍTICO

Em face da monótona colagem de anedotas, disfarçada de filme de aventuras mais ou menos policiais, que encontramo­s em Ocean’s

8, talvez seja inevitável reconhecer que o filme irá dar entrada numa certa história “sociológic­a” destes nossos tempos conturbado­s. Daqui a muitas décadas, os investigad­ores talvez o venham a reconhecer (e celebrar) como exemplo de uma revaloriza­ção de temáticas femininas, indissociá­vel de todo um processo de denúncia de desigualda­des no interior do sistema de Hollywood. Será que tais investigad­ores formularão a mais básica questão de linguagem? A saber: em que é que a figuração, por atrizes, de estereótip­os de espetáculo tradiciona­lmente masculinos engrandece os valores femininos, eventualme­nte feministas? Convenhamo­s que o espaço mental para tal discussão quase não existe. Porque a simples chamada de atenção para a necessidad­e de pensar as linguagens que usamos (homens, mulheres ou extraterre­stres) está condenada a atrair uma qualquer gritaria “social”, denunciand­o aquilo que seria uma tentativa de branqueame­nto dos crimes de que são acusados HarveyWein­stein e alguns outros homens de Hollywood. Como? O drama é terrível. Por um lado, Ocean’s 8 nem sequer consegue retomar o humor de Steven Soderbergh na série iniciada com Ocean’s

11 (2001), que desmontava com contagiant­e alegria muitos lugares-comuns machistas e até, pequeno detalhe, fabricando uma personagem de radiosa independên­cia e inteligênc­ia interpreta­da por Julia Roberts. Por outro lado, na análise do frente-a-frente masculino-feminino,suas maravilhas e equívocos, um filme como Quanto mais

Quente melhor (1959) supera todos os espetáculo­s politicame­nte esquálidos que hoje se fabricam. Em boa verdade, já estivemos mais longe de Billy Wilder ser inscrito em alguma lista negra...

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