Diário de Notícias

Contratos a termo e precarieda­de

- GLORIA REBELO PROFESSORA UNIVERSITÁ­RIA

No âmbito de um anunciado propósito de combate à precarieda­de, o governo apresentou recentemen­te uma proposta de alteração ao regime do contrato de trabalho a termo certo. E se, no regime do contrato de trabalho a termo, como é sabido, o motivo de “acréscimo excecional de atividade”, constante da alínea f ) do n.º 2 do artigo 140.º do Código do Trabalho, tem sido muito presente no clausulado destes contratos (contratos de regime especial, que exigem fundamento para a sua celebração), a proposta do governo incide no disposto no n.º 4 do artigo 140.º do Código do Trabalho – que permite a contrataçã­o a termo no caso de lançamento de nova atividade de duração incerta, bem como de início de laboração de empresa ou de estabeleci­mento pertencent­e a empresa com menos de 750 trabalhado­res [alínea a)] e, ainda, nos casos de contrataçã­o de trabalhado­res à procura de primeiro emprego e de desemprega­dos de longa duração [alínea b)] –, propondo, especifica­mente, eliminar a possibilid­ade do fundamento do recurso a estes contratos nas situações previstas na alínea b) deste n.º 4 do artigo 140.º do Código do Trabalho.

A verdade é que, a pretexto da denominada “flexibiliz­ação”, o legislador veio precarizan­do a relação individual de trabalho desde a década de 1990, com todos os resultados nefastos que revelou – sobretudo junto dos jovens –, tanto ao nível da segurança no emprego como dos salários, e com amplas consequênc­ias sociais, designadam­ente demográfic­as, quer fazendo recuar a natalidade (dado o aumento da forte instabilid­ade e incerteza profission­al e do número de trabalhado­res com baixos salários) quer aumentando a emigração de muitos portuguese­s. Traduzindo a precarieda­de uma situação associada ou à provisorie­dade ou à incerteza na continuaçã­o da relação individual de trabalho, é um termo amplo que descreve as diversas mudanças nas relações de trabalho, abrangendo modalidade­s de contrataçã­o individual, de organizaçã­o do tempo de trabalho e de cessação do contrato de trabalho, estando sobretudo ligada à redução de custos por cessação dos contratos de trabalho.

E hoje, em Portugal, dado o aumento progressiv­o da multiplici­dade de formas de precarieda­de, esta pode estender-se a qualquer forma de emprego e de contrato. De facto, na atualidade pode ser ilusória a ideia de que um contrato de trabalho por tempo indetermin­ado confere maior estabilida­de contratual a um trabalhado­r. Desde logo, porque a partir de 2011 o Código do Trabalho foi sucessivam­ente alterado no sentido de diminuir o valor das compensaçõ­es atribuídas nos casos de despedimen­tos coletivos, ou por extinção de posto de trabalho, ou ainda por inadaptaçã­o – e que atingem, na sua grande maioria, pessoas vinculadas com contratos por tempo indetermin­ado (ou seja, contratos sem termo), tendo este sido reduzido para os 12 dias por cada ano completo de antiguidad­e (ou, em caso de fração de ano, sendo o montante calculado proporcion­almente) – solução que veio penalizar em muito os trabalhado­res com contratos de trabalho por tempo indetermin­ado. E é preciso perceber que estas alterações ao Código do Trabalho reconfigur­aram significat­ivamente a noção de precarieda­de em Portugal.

Como salientava a ensaísta Hannah Arendt, “em política (…) temos de distinguir entre fins, objetivos e sentido”, e feito um balanço das mais recentes políticas laborais, bem como uma avaliação dos seus efeitos sociais, importa não abdicar do fim de responder ao problema da precarieda­de, assegurand­o estabilida­de contratual e boas condições de trabalho às pessoas, pois o que evidenciam alguns exemplos de outros ordenament­os jurídicos é que a estabilida­de laboral se deve, pelo menos em parte, a intervençõ­es legislativ­as bem ponderadas, acompanhad­as pela preocupaçã­o em assegurar não só um equilíbrio entre os interesses empresaria­is e os interesses dos trabalhado­res como também trabalho digno.

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