Diário de Notícias

A “minha” cerejeira do Fundão

- JOÃO CARLOS

Acordara cedo para estar à hora combinada no aeroporto de Lisboa, ponto de encontro e de partida de um grupo de cerca de 15 jornalista­s da imprensa internacio­nal desafiados a conhecer novas experiênci­as no âmbito de uma iniciativa da Taste Portugal. Ao longo da viagem quase não se falou de futebol, nem do difícil desafio da seleção portuguesa no Mundial da Rússia em tentar mais uma proeza, pelas mãos do mister Fernando Santos, depois de ter conquistad­o o título de campeão europeu.

Em menos de hora e meia, conduzidos por um motorista que serviu a Força Aérea em Angola (1973 -1975), já respirávam­os o ar puro do Alentejo real, na Quinta da Herdade Freixo do Meio. Por lá, em pleno Foros de Vale Figueira, iniciava um roteiro que nos levara a vários recantos de Portugal por mim ainda desconheci­dos, proporcion­ando o contacto com os sabores e saberes que conservam as regiões e as gentes da terra.

São gentes que abraçam causas como valorizar a produção local e a gastronomi­a tradiciona­l, com a preocupaçã­o de preservar a natureza de forma sustentáve­l. O acolhiment­o e as explicaçõe­s são de Sven Johannsen, o jovem alemão de Hamburgo ali instalado há ano e meio, que se apaixonou pela região alentejana. Rodeado de trabalhado­res cooperante­s, alguns vindos da América, tenta dar vida a um antigo e promissor latifundiá­rio de 520 hectares em fase de reabilitaç­ão.

A nossa presença despertou mais entusiasmo dos produtores. E para matar a nossa fome, que já era muita, organizara­m para o almoço um cozido de grão biológico, com legumes salteados, confeciona­dos por mulheres da terra.

Da Cooperativ­a no Montado, passando por Évora, Vila Viçosa e Fundão – já na Beira Baixa –, seguindo depois por Vila Nova de Foz Coa e Baião, na região do Douro património mundial, vimo-nos aliciados sempre com as delícias das iguarias locais que cativam qualquer turista ou visitante.

Entre os pratos da região, merecem elogios os sabores da cozinheira Maria das Dores do Restaurant­e Hermínia, no Fundão, os seus espargos selvagens com ovos, cherovias à moda da Beira, truta do Paúl de escabeche e arroz de carqueja com enchidos. Os queijos de ovelha e os vinhos da Quinta do Barrigoso, na Aldeia Histórica de Castelo Novo, onde pela primeira vez vi ordenhar o rebanho, deixam um paladar que convida a voltar.

No Natura Glamping, um projeto moderno em harmonia com a natureza, é de realçar a proeza culinária de Flávio Silva. O exímio jovem chefe, escolhido para integrar a equipa de cozinheiro­s encarregad­o de confeciona­r boa comida para a seleção portuguesa presente em Sochi, ofereceu-nos um maravilhos­o bacalhau confitado com coentro da serra, antecipado de uma peculiar sopa de creme de cenoura.

Os vinhos, que acompanham cada prato, são uma preciosida­de. Sem olvidar os fumeiros e as compotas da Beira Alta, os azeites que provámos no Museu de Foz Coa, no âmbito de um projeto orgânico, também primam pela qualidade. E não estão em mãos alheias os doces conventuai­s da oficina de encharcada do chef António Nobre.

Tudo comprova que, de sul a norte de Portugal, come-se muito bem, fruto também da inovação e da criativida­de. Na maioria dos casos são experiênci­as bem sucedidas.

Mas, ainda que não seja inédita, a experiênci­a mais marcante que guardo comigo é a de ter sido desafiado a plantar uma cerejeira na Aldeia de Alcongosta. Cada um de nós apadrinhou uma árvore, um ato simbólico que ali se pratica há três anos. Deste modo, foram já plantados perto de 200 pés no cerejal situado a cerca de 20 quilómetro­s da opulente serra da Estrela, na chamada Cova da Beira.

Este ato cívico, segundo Olga Nogueira, guia do Gabinete de Turismo da Câmara Municipal do Fundão, é uma das formas que a autarquia encontrou para atrair visitantes. Aliás, esta faz parte de uma luta titânica para combater a desertific­ação do interior, promovendo mais o turismo local, por exemplo.

Mais ou menos dias, daqui por dois anos – garantiu ela – a “minha” cerejeira estará crescida e dará flores brancas, quase que em harmonia com a neve que cobre o cume das serras ali nas redondezas. Quem sabe, tenhamos de lá voltar por essa altura, como recomendou a Olga, para comprovar que valeu a pena este simbolismo da necessária relação afetiva com a terra e a natureza. E para quem planta cerejeiras fica a expectativ­a de um dia colher bons frutos. Oxalá assim seja!

Por falar de expectativ­a, será uma cereja em cima do bolo ver Portugal “assaltar” o Kremlin e vencer o Mundial da Rússia ante o favoritism­o da Alemanha, de Espanha ou do Brasil. Mas, seja lá qual for o prognóstic­o, até a reta final gostaria de ver Portugal inteiro mais colorido de bandeiras, tal é a esperança quanto ao futuro da “minha” cerejeira plantada no Fundão.

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Tudo comprova que, de sul a norte de Portugal, come-se muito bem, fruto também da inovação e da criativida­de

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