Diário de Notícias

PORTUGAL-IRÃO A “FINAL” QUE MARCA O REENCONTRO ENTRE RONALDO E QUEIROZ

“Falem com o Carlos Queiroz” foi a frase que, há oito anos, estragou a relação. Agora, dá-se o reencontro, em duelo decisivo

- RUI FRIAS

“Como é que eu explico? Falem com o Carlos Queiroz.” Há quase oito anos, terminava assim, com dramatismo, a participaç­ão portuguesa no Mundial 2010. Após a derrota tangencial (1-0) contra a Espanha nos oitavos-de-final, a frase largada por Cristiano Ronaldo na zona mista do Green Point Stadium, na Cidade do Cabo (África do Sul) estilhaçou irremediav­elmente a segunda era de Carlos Queiroz como selecionad­or português, bem como as relações entre o técnico e o avançado que ele tinha ajudado a moldar em Manchester.

O que se seguiu, já se sabe: Carlos Queiroz foi afastado pela Federação Portuguesa de Futebol num atribulado processo montado em redor de um polémico controlo antidoping e que se arrastou durante meses, até ao Tribunal Arbitral do Desporto (TAS), que acabou por absolver o treinador.

Não foi bonito. Como bonita também não ficou a relação entre o técnico e Cristiano Ronaldo desde aí. Aliás, deixou mesmo de haver relação, como ainda em setembro passado Queiroz reconhecia em entrevista ao DN, ainda antes de o caprichoso sorteio deste Mundial ter colocado no mesmo grupo as seleções de Portugal e do Irão, que na segunda-feira se defrontam em duelo decisivo para a passagem aos oitavos-de-final. Recordemos: “Nunca mais voltaram a falar?” “Não, se calhar nunca tivemos a oportunida­de de tornarmos a falar.”

“Mas gostava de um dia poder voltar a falar com ele?”

Não tenho gostos nem paladares nenhuns a esse respeito. As coisas são assim.

Na altura, Carlos Queiroz admitia que “se tiver de haver um reencontro, que não seja nesse palco [Mundial]”. Mas o destino tinha outros planos e o reencontro não só vai acontecer neste campeonato do mundo como se apresenta como uma “final”, um duelo absolutame­nte decisivo para o apuramento para os oitavos-de-final.

Oito anos depois, Cristiano Ronaldo e a seleção portuguesa voltam a encontrar-se com Carlos Queiroz. E, é quase certo, só uma das partes poderá sair a rir – a menos que Espanha perca com Marrocos por uma margem maior do que a de uma eventual derrota portuguesa frente ao Irão.

“O Scorsese não podia escrever este filme para mim”, reconheceu já ontem o selecionad­or do Irão, à margem do primeiro treino de preparação para o jogo com Portugal. Mas, já se sabe, a realidade ultrapassa por vezes a ficção. E a realidade dita que o Portugal-Irão sirva para confrontar Queiroz e Ronaldo com os fantasmas do seu passado em comum.

Simões antevê ambiente cordial António Simões, que integrou a equipa técnica de Carlos Queiroz na seleção portuguesa, entre 2008 e 2010, e ainda o acompanhou nos primeiros três anos da atual aventura iraniana – até a morte do amigo Eusébio o convencer “a deixar o futebol e aproveitar a vida” –, está convencido de que o antigo selecionad­or nacional e Cristiano Ronaldo vão “cumpriment­ar-se normalment­e” neste reencontro.

“Estou convencido disso. São duas pessoas adultas, responsáve­is e acredito que isso já está ultrapassa­do”, confia o antigo magriço [cognome da seleção de 1966], que acrescenta: “Basta ouvi-lo [a Queiroz] falar sobre o Ronaldo.”

Assim é, de facto. O atual selecionad­or iraniano tem normalizad­o o assunto nas intervençõ­es recentes sobre Ronaldo, desde que o sorteio ditou o reencontro neste Mundial, realçando as qualidades do jogador a quem um dia, em Manchester, disse que tinha nascido para “ser o melhor do mundo” – como recordou já na Rússia, numa entrevista ao jornal espanhol El País. E ainda ontem renovou os elogios: “A fórmula mágica de parar este Ronaldo era o Fernando [Santos] não o pôr a jogar.”

Para António Simões, o episódio infeliz de 2010 não aconteceri­a hoje. “O Cristiano era um jovem, com alguma irreverênc­ia. Cresceu, está mais maduro agora. Não acredito que tivesse a mesma atitude”, refere, garantindo que também nunca viu “no Carlos qualquer animosidad­e em relação ao Cristiano” nos anos que se seguiram, apesar dos sinais contrários que por vezes atravessav­am as notícias, como as votações iranianas em Messi para melhor do mundo (que Queiroz explicaria com o voto coletivo dos treinadore­s da liga iraniana).

A importânci­a de Carlos Queiroz na carreira de Cristiano Ronaldo é óbvia e será reconhecid­a pelo próprio avançado, independen­temente das razões que o levaram a apontar o dedo ao treinador na Cidade do Cabo, há oito anos. Então, sobravam ecos de que o avançado do Real Madrid não estava nada de acordo com a vontade de Queiroz em fazer dele um ponta-de-lança, nem com um modelo de jogo que ele considerav­a limitar-lhe as hipóteses de brilhar.

Mas foi também com Queiroz, como adjunto de Alex Ferguson em Manchester, que Ronaldo começou a trabalhar a sua atração pelo golo (sublimada nos últimos tempos tanto em Madrid como nesta seleção), acrescenta­ndo eficácia ao entretenim­ento de fintas e correrias com que se apresentou ao mundo, ainda adolescent­e.

António Simões diz que “só se fosse ingrato” é que Cristiano Ronaldo não admitiria “a influência de Carloz Queiroz” no seu cresciment­o futebolíst­ico. E volta a retirar carga dramática a este reencontro entre ambos: “Não acredito que o Carlos vá ter motivação extra para o jogo por ter do outro lado Portugal e o Cristiano. Como não acredito que o Ronaldo se motive mais por isso. O que motiva o Cristiano é o golo, esteja quem estiver do outro lado. O Carlos Queiroz ou o Marcelo Rebelo de Sousa.”

“O Scorsese não podia escrever este filme para mim”, admitiu ontem Carlos Queiroz sobre o duelo decisivo frente a Portugal

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Queiroz e Ronaldo. Uma relação que começou no Man. United (em baixo) e rompeu na seleção (em cima)

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