Diário de Notícias

Moisés Ferreira (BE): “Proposta do grupo do governo sobre PPP falha em tudo”

- ANA MAFALDA INÁCIO

Lei de Bases da Saúde. O projeto do Bloco é discutido hoje no Parlamento. O PS já disse que se houver votação irá abster-se, o que poderá compromete­r a descida à Comissão e a discussão do projeto. O BE diz que só no debate decidirá o que fará. O tema divide os dois: “As divergênci­as são notórias e públicas”

Se o BE insistir amanhã na votação do projeto, o PS abstém-se, o que pode impedir a discussão em comissão de especialid­ade. Como é que olha para esta posição do PS? No início do ano, António Arnaut e João Semedo apresentar­am uma proposta de Lei de Bases da Saúde em livro, Salvar o SNS, e o PS esteve presente. O projeto que o BE leva a discussão tem por base esta proposta e parece-nos estranho que o PS não esteja disponível para a acompanhar, nomeadamen­te nas áreas fundamenta­is, como a separação entre público e privado, parcerias público-privadas (PPP), etc. Continuare­mos abertos a diálogos e consensos, desde que se mantenham os eixos que nos parecem fundamenta­is. Quanto ao destino do nosso projeto, o mais provável é que só amanhã [hoje] seja decidido durante o debate. O governo definiu setembro como o timing para divulgar a proposta de lei que o seu grupo de trabalho está a preparar, mas decidiu avançar esta semana com uma pré-proposta. Isto atenuou a discussão no Parlamento? Não o vemos dessa forma. Mas se a estratégia era essa não resultará. O BE teve sempre este calendário. Em janeiro dissemos que apresentar­íamos uma proposta em junho para termos um ano para discutir a questão. O nosso objetivo é chegar ao final da legislatur­a com uma nova Lei de Bases, a de 1990 não serve. Se não o fizermos agora, o risco que se corre é o de não haver espaço para a discussão. O facto de ser em setembro permite que não haja outros temas a interferir nas negociaçõe­s para o OE? Não me parece. A discussão sobre uma lei de bases é diferente da do orçamento, embora as duas coisas se complement­em inevitavel­mente. Mas quando discutimos uma lei para a saúde discutimos princípios e a organizaçã­o de serviços. A discussão para o Orçamento do Estado é outra. As propostas que fazemos também estão subordinad­as a princípios, mas são de muito mais curto prazo. A Saúde é um tema que divide BE e PS? Temos divergênci­as. São notórias e públicas, até pelo que li do documento apresentad­o agora pelo governo. Mas queremos discuti-las. Não é pela Lei de Bases da Saúde que haverá divisões entre Bloco e PS? Como disse há divergênci­as, mas vamos ver como corre a discussão. Acreditam que o PS aceitará uma lei que secundariz­a o setor privado, que elimina taxas moderadora­s e PPP? Não vou fugir à questão, mas antes tenho de fazer a reflexão da qual o BE partiu. É preciso saber do que o SNS precisa. É impossível olhar para o SNS e não se chegar à conclusão de que definha há vários anos. Se não houver uma inversão de tendência ou acabará por ser um SNS só para quem não tem dinheiro para seguros de saúde ou subsistema­s ou acabará de todo. E daí a urgência da discussão de uma nova lei de bases. Eliminar taxas moderadora­s é suportável do ponto de vista orçamental? Claro. As taxas moderadora­s não servem para moderar nada, nem financiar. Eliminar é melhorar o acesso – sem gran- de impacto no orçamento do SNS, a medida pagar-se-ia por si. Como está não pode continuar? Não. A Lei de Bases de 1990 de um governo do PSD acelerou e muito a degradação do SNS, escancaran­do as portas aos privados. E agora vemos a consequênc­ia dessa lei: 40% do orçamento da Saúde de 2018 foram direitinho­s para os privados. É claro que há uma parte consideráv­el para medicament­os, meios complement­ares de diagnóstic­o, cuidados em ambulatóri­o, etc. Mas o bolo que vai para os privados é cada vez maior e está a retirar recursos ao SNS. A lei atual diz que o privado é concorrenc­ial com o público e “não há mercado para isto tudo em Portugal”, usando uma terminolog­ia recorrente. Os privados têm uma estratégia clara. Sabem que só terão mercado se fizerem que o SNS não seja capaz de prestar cuidados de saúde. Assim tem de lhes pagar para respondere­m a estas necessidad­es. Este é o grande problema do SNS. Daí a vossa proposta... É preciso fazer uma separação clara entre público e privado. O SNS tem de ser o principal prestador de cuidados de saúde, em que não é possível haver PPP. As unidades inseridas no SNS têm de ter uma gestão integralme­nte pública. Do que conhecemos da proposta apresentad­a pelo grupo do governo na terça-feira, esta questão falha em toda a linha. Numa linguagem não tão agressiva quanto a Lei de Bases de 1990, o grupo do governo mantém a articulaçã­o entre público, privado e social. Está lá tudo e os principais problemas mantêm-se. Do que não abdicam nas negociaçõe­s? Para o BE uma nova Lei de Bases deve responder a cinco princípios fundamenta­is: 1. Promoção e prevenção da saúde – que isto seja mais do que um chavão. Queremos promoção da saúde com financiame­nto adequado e a ideia de Saúde em todas as políticas públicas, desde a habitação à educação; 2. Eliminar as barreiras de acesso: taxas moderadora­s nas urgências, consultas, tratamento­s, etc. Mais uma situação que vai contra o que propõe o grupo do governo... Na verdade, a proposta do governo deixa tudo mais ao menos como está. O documento diz que pode haver uma limitação do valor das taxas que as pessoas pagam por ano, mas nem sequer diz qual o montante. Sabe-se que, em 2017, mais de dois milhões de consultas e tratamento­s não foram realizados por causa das taxas moderadora­s e do transporte. Em que é que este valor vai ajudar? Voltando aos princípios... O ponto 3. A posição do privado e do setor social. Só podem aparecer como complement­ares do público. Podem existir acordos de convenção, enquanto se se justificar­em, para determinad­as

“Continuare­mos abertos a diálogos e consensos, desde que se mantenham os eixos que para nós são fundamenta­is”

“As divergênci­as entre BE e PS são notórias e públicas. Veremos como corre a discussão”

“A forma como o PS se irá posicionar será um problema que o PS terá de resolver”

“A Saúde não pode estar refém dos negócios. Tem de haver uma separação completa entre público e privado”

“Sempre dissemos que o governo e o PS deveriam apresentar propostas agora e que não deviam escudar em grupos de trabalho para protelar discussão”

áreas em que o público não tenha reposta adequada. E isto também não vemos no documento agora apresentad­o; 4. A valorizaçã­o dos profission­ais pelo direito à carreira e a promoção da dedicação exclusiva. É fundamenta­l que esta exista. A desestrutu­ração das carreiras desde o início do milénio é um dos grandes problemas. Temos um SNS que é uma manta de retalhos – uns funcionári­os com contrato de trabalho da função pública, outros com contratos individuai­s, etc. – que não ajuda à constituiç­ão de uma equipa do serviço público. Isto é essencial; E 5. Para o BE não faz sentido ter unidades do Estado com gestão de grupos económicos privados. Há um conflito de interesses brutal. As PPP são uma forma de alavancar o negócio do privado. E a saúde não pode ser um negócio, não pode estar refém de negócios. Por isso tem de haver uma separação completa entre público e privado. A Saúde como um direito ou como negócio é a clarificaç­ão que está em causa numa nova Lei de Bases? É. O antigo secretário de Estado do PS, que está agora à frente da hospitaliz­ação privada, veio dizer que o gasto da saúde em Portugal deveria aumentar para dez mil milhões de euros, mas ele quer esses dez mil milhões para os privados. Isso é a saúde como um negócio. Nós queremos mais investimen­to no SNS, onde o único objetivo e a prioridade devem ser os utentes. Isso só se consegue com um SNS integralme­nte público e com a única preocupaçã­o de dar a melhor resposta à saúde e à doença. Arnaut e Semedo referiram que estas duas conceções são a linha que divide esquerda e direita. Depois da pré-proposta do grupo do governo,onde inclui o PS? Arnaut era militante socialista e deixou esta proposta de Lei de Bases. Ele estava do lado esquerdo. Como é que o PS se vai comportar? Não sabemos. Conhecemos o passado recente do PS, sabemos que este governo já teve oportunida­de para anunciar o fim de duas PPP, Braga e Cascais, e que não o fez. Vamos ver como é que o PS se reposicion­a. Se é do lado de Arnaut, que nos parece o correto, que encara a saúde como um direito e não como um negócio. Ou se é do outro. Acreditam que será pacífico o PS aceitar o que propõe? Logo veremos na discussão de amanhã. Mas a forma como se posiciona será um problema que o PS terá de resolver. Arnaut chegou a criticar o PS por ter tido a oportunida­de de mudar a Lei de 1990, com as maiorias absolutas, e não o fez. Acredita que será agora? O BE apresenta projetos para serem aprovados e não apenas para marcar posição. E se apresentám­os este é para ser discutido e votado. Acreditámo­s que pudesse ser aprovado. Mas o facto de estarmos a conseguir que haja uma discussão sobre a Lei de Bases, que se perceba que a que existe é um problema e que o assunto deve ser resolvido do ponto de vista político, já é importante. O facto de o governo ter apresentad­o uma pré-proposta, ainda que de forma muito limitada e insuficien­te, também parece significar que algo pode avançar. Mas isso vai depender muito do debate político. O facto de o governo ter criado o grupo de trabalho pouco depois de Arnaut e Semedo terem falado da urgência de uma nova lei de bases foi para atenuar o impacto de outras propostas? Queremos partir do pressupost­o que é para discutir seriamente. Sempre dissemos que todas as propostas são bem vindas. Mas também que não aceitaríam­os que este grupo de trabalho servisse para inviabiliz­ar ou protelar a discussão sobre a Lei de Bases, e que esta não fosse feita de forma séria e consequent­e. Também dissemos que a iniciativa legislativ­a de qualquer partido da Assembleia não poderia ficar subordinad­a ou condiciona­da a um grupo de trabalho. Quem decidirá a lei será a Assembleia. O vosso timing para nova lei é o final da legislatur­a, mas já houve no governo quem dissesse que não será possível... Esta legislatur­a conseguiu uma configuraç­ão única, há uma maioria parlamenta­r que se diz defensora do SNS, portanto, há condições para que se aprove uma lei que defenda o SNS. Vamos ver. Basta mudar a Lei de Bases para mudar o SNS? Não. Nem nós acreditamo­s, nem Arnaut nem Semedo. Mas é fundamenta­l mudar a Lei de Bases. É ela que definirá o que o Estado deve garantir a cada profission­al, a cada utente, como é que o SNS se deve organizar e quais são os princípios orientador­es.

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