Diário de Notícias

“Obama foi duro com ilegais mas não arbitrário como Trump”

Especialis­ta americana em migrações, professora da Universida­de do Missuri esteve em Portugal no âmbito do programa Fulbright e falou sobre a profunda divisão nos Estados Unidos

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Sim. Tal como na Europa, há muitas preocupaçõ­es exageradas sobre a vinda de gente que quer mudar a cultura do país, tirar o trabalho ou até que vem para ser terrorista. Por outro lado, há muitas pessoas que reconhecem que a sociedade beneficia da chegada de imigrantes. E a verdade é que a maioria das pessoas não emigra para fazer coisas más. A maioria emigra para ter uma vida melhor. E estudos mostram que os migrantes geram muito menos crimes do que aquilo que se temia, menos do que a população em geral. Tanto Trump nos Estados Unidos como vários líderes na Europa têm agitado o fantasma da migração maciça para ganhar votos. Mas como diz, do ponto de vista do aumento da a criminalid­ade, mentem. Os políticos estão a jogar com os medos das pessoas? Absolutame­nte. Veja como as coisas são. O que Trump tem feito e dito, conjugado com a crise dos refugiados vindos da Síria para a Europa, aproveita os medos das pessoas e, de repente, certos sentimento­s que eram escondidos têm licença para ser ditos. Em todos nós há sempre algum preconceit­o perante aquilo que desconhece­mos. Há muita gente que nunca interagiu com refugiados e, portanto, é suscetível de ver os seus medos serem exagerados. E isto acontece nos Estados Unidos como na Europa. Como é que se pode explicar o brexit? E os medos são ainda mais fáceis de ser exagerados quando é outra religião que está em causa, como o islão da maioria dos refugiados sírios, e tudo se torna assustador. Mas, no caso da fronteira americana com o México, quem chega na sua grande maioria são latino-americanos, católicos. O que receiam então os americanos? Mudança de cultura? O problema é a cultura e a língua, porque estes imigrantes são vistos como alteradore­s do perfil do país. Os Estados Unidos têm sido historicam­ente um país caucasiano, um país de brancos. Em 2050, por causa da quebra da nata- lidade dos casais caucasiano­s e também por via da imigração, se somarmos todas as pessoas de cor – os negros, os castanhos, os amarelos –, constituir­ão uma maioria. E isso é assustador para muitos. Se for até uma zona urbana, encontrará muito multicultu­ralidade e gente capaz de aceitar a diferença. Mas se for a zonas rurais, onde as pessoas nunca interagem com gente diferente, os medos são grandes. Olhando para o seu caso pessoal, uma académica nascida na Índia, considera que pertencer à elite facilita a integração nos Estados Unidos? Estou lá há tanto tempo, desde os tempos da escola secundária [risos]. Acho que sempre me senti totalmente integrada nos Estados Unidos até aos ataques terrorista­s de 2001. Pouco depois disso, quando os meus filhos viajavam, começaram a ser perfilados, o que faz sentido porque fisicament­e parecem ser do Médio Oriente. Mas naquele momento percebi que serei sempre uma estrangeir­a. Há pouco fiz uma palestra na Escócia, mesmo antes de vir com bolsa Fulbright para Portugal, e contei que quando estava nos Estados Unidos sentia-me indiana e quando estava na Índia sentia-me americana. Basicament­e o que acontece é que é difícil uma integração completa, porque temos a nossa cultura mas tornamo-nos uma pessoa que pode estar em dois locais diferentes sem se sentir só de um deles. Mas estou integrada e sim, talvez tenha que ver com a minha profissão. Eu, como pessoa muito preocupada com os imigrantes ilegais cujos direitos são violados, também penso nas pessoas que são imigrantes legais e que tem de esperar anos por um visto. É muito difícil distinguir entre refugiados e migrantes económicos? São duas categorias muito diferentes, mesmo que na fronteira seja muito difícil perceber quem é o quê. Se seguirmos a definição da ONU, um refugiado tem de pertencer a um determinad­o grupo que por causa do seu perfil demográfic­o, ou da sua religião, ou opinião seja perseguido. Se pertence, por exemplo, à comunidade LGBT e é perseguido no seu país pode ser refugiado, mas se for vítima de violência doméstica ou de excisão, que é vista como norma cultural, já não tem esse estatuto. Mesmo quem simpatiza com os migrantes sabe que não se pode deixar entrar toda a gente. Qual é a solução? Seria uma mulher rica se soubesse a solução [risos]. Cada país tem de definir que migrantes necessita, quantos pode acolher dada a população. E começo a pensar cada vez mais que é preciso haver algum tipo de compromiss­o dos migrantes em adaptarem-se às normas da sociedade de acolhiment­o. Não têm de perder cultura, mas têm de integrar-se.

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