As linguagens têm sexo?
Em cinema, o que define a força de uma narrativa realista não é a mera verosimilhança de cenários e guarda-roupa. É, isso sim, a proximidade existencial das personagens e respetivas ações – numa história contemporânea, poderá ser a sensação de que, direta ou indiretamente, conhecemos pessoas como aquelas que nos são apresentadas no interior de uma determinada história. Com
Amor, Simon é um filme com essas qualidades, até porque os seus jovens são interpretados por um magnífico elenco em que é forçoso destacar a complexa sobriedade de Nick Robinson, no papel de Simon (tínhamo-lo visto, por exemplo, em Mundo Jurássico, lançado em 2015). Por pedagógica ironia, vale a pena referir que a pulsão realista do filme se “desmancha” em dois momentos emblemáticos. Um deles é uma breve e sugestiva sequência musical em que Simon se imagina como protagonista de uma
performance organizada a partir do arco-íris da bandeira LGBT – dir-se-ia que o filme quer lembrar que a afirmação de um símbolo pode e deve saber integrar as mais diversas linguagens (incluindo a do cinema musical). A outra, divertidíssima, propõe uma variação daquilo que é, ou parece ser, o drama central de Simon. A saber: a “obrigação” de se assumir como homossexual perante todos os seus interlocutores familiares, escolares e sociais. Que vemos, então? Uma série de personagens a revelar aos outros, em tom de esforçado confessionalismo, um facto insólito: nunca o disseram a ninguém, mas são... heterossexuais! A comédia (e, em particular, a tradição da comédia de Hollywood) passa por aqui. Entenda-se: não se trata de minimizar, muito menos de ignorar, as formas de marginalização ou repressão dos homossexuais. Trata-se, isso sim, de lembrar que também as linguagens narrativas são polimorfas.