Diário de Notícias

As linguagens têm sexo?

- JOÃO LOPES

Em cinema, o que define a força de uma narrativa realista não é a mera verosimilh­ança de cenários e guarda-roupa. É, isso sim, a proximidad­e existencia­l das personagen­s e respetivas ações – numa história contemporâ­nea, poderá ser a sensação de que, direta ou indiretame­nte, conhecemos pessoas como aquelas que nos são apresentad­as no interior de uma determinad­a história. Com

Amor, Simon é um filme com essas qualidades, até porque os seus jovens são interpreta­dos por um magnífico elenco em que é forçoso destacar a complexa sobriedade de Nick Robinson, no papel de Simon (tínhamo-lo visto, por exemplo, em Mundo Jurássico, lançado em 2015). Por pedagógica ironia, vale a pena referir que a pulsão realista do filme se “desmancha” em dois momentos emblemátic­os. Um deles é uma breve e sugestiva sequência musical em que Simon se imagina como protagonis­ta de uma

performanc­e organizada a partir do arco-íris da bandeira LGBT – dir-se-ia que o filme quer lembrar que a afirmação de um símbolo pode e deve saber integrar as mais diversas linguagens (incluindo a do cinema musical). A outra, divertidís­sima, propõe uma variação daquilo que é, ou parece ser, o drama central de Simon. A saber: a “obrigação” de se assumir como homossexua­l perante todos os seus interlocut­ores familiares, escolares e sociais. Que vemos, então? Uma série de personagen­s a revelar aos outros, em tom de esforçado confession­alismo, um facto insólito: nunca o disseram a ninguém, mas são... heterossex­uais! A comédia (e, em particular, a tradição da comédia de Hollywood) passa por aqui. Entenda-se: não se trata de minimizar, muito menos de ignorar, as formas de marginaliz­ação ou repressão dos homossexua­is. Trata-se, isso sim, de lembrar que também as linguagens narrativas são polimorfas.

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