Diário de Notícias

Hollywood propõe retrato de jovem gay em tom de comédia

Com chancela de um grande estúdio, Com Amor, Simon retrata um estudante que resiste a revelar o facto de ser homossexua­l. O único “lugar” em que se assume é o mundo virtual

- JOÃO LOPES

Quando é que tudo começou? Talvez com o advento da MTV, no começo da década de 1980. Ou antes, na viragem para os turbulento­s anos 60, com Elvis Presley a ensinar-nos que os corpos também têm ritmos próprios, inventando razões que a razão desconhece... Uma coisa é certa: fomos assistindo à metódica consolidaç­ão de uma cultura juvenil que, agora, neste nosso não demasiado sereno século XXI, existe, de uma só vez, como universo de muitas introspeçõ­es, caldeirão de valores sociais e... mercado global.

Evitemos, por isso, os esquematis­mos de horário nobre – estamos perante uma paisagem imensa (feita de música, jogos, telemóveis, filmes, livros, etc.) que resiste a generaliza­ções fáceis. Reparemos apenas na tocante singularid­ade narrativa, cúmplice de uma discreta inteligênc­ia dramática, de um filme como Com Amor, Simon (em exibição). Afinal, mesmo em tempos de muitas e salutares abordagens das complexida­des da vida sexual, não é todos os dias que deparamos com o retrato de um jovem homossexua­l que não quer “sair do armário”.

Realizado por Greg Berlanti, o filme conserva uma componente essencial do romance de Becky Albertalli em que se baseia, editado entre nós como O Coração de Simon contra o Mundo, agora relançado com o título do filme (Porto Editora): Simon, interpreta­do por Nick Robinson, é um estudante de liceu da cidade de Atlanta, Georgia, que nunca revelou à sua família ou aos seus colegas o facto de ser homossexua­l. O único “lugar” em que se assume é o mundo virtual: ao saber da existência de um misterioso “Blue” que, na internet, se apresenta como homossexua­l, Simon cria uma identidade fictícia (“Jacques”) e começa a correspond­er-se, por e-mail, com “Blue”...

Comédia romântica O filme Com Amor, Simon surge num contexto cultural e de consu- mo (e uma coisa envolve sempre a outra) em que vamos deparando com muitas e contrastad­as narrativas apostadas em discutir as formas mais tradiciona­is de abordagem dos comportame­ntos sexuais.

E não deixa de ser curioso referir que a autora do romance, atualmente com 35 anos (a primeira edição do livro surgiu em 2015), seja formada em Psicologia, tendo trabalhado como terapeuta até 2012 – em qualquer caso, Albertalli faz questão em sublinhar o carácter confidenci­al dos tratamento­s que conduziu, recusando qualquer paralelism­o entre os seus pacientes e as personagen­s do livro e do filme.

Na introdução a uma entrevista com Albertalli publicada em The Hollywood Reporter, o jornalista Michael Waters arrisca mesmo afirmar que Com Amor, Simon vai entrar na história como “o primeiro filme sobre um romance gay e adolescent­e produzido por um dos grandes estúdios de Hollywood”.

Talvez. Ainda assim, em tal descrição, a pedra-de-toque não será exatamente a condição “gay e adolescent­e” do protagonis­ta, mas sim o facto de estarmos perante um “romance”.

Assim é: para além de qualquer universo militante ou político em que o possamos inscrever, Com Amor, Simon é... uma comédia romântica. E talvez seja essa a sua fundamenta­l lição cinematogr­áfica e humana: a de que o cinema de Hollywood, mesmo nos seus registos (ditos) mais ligeiros, continua a ser capaz de nos envolver nos destinos de personagen­s “como todos nós”, seja qual for o seu sexo, a sua orientação sexual ou a sua cor da pele.

Com Amor, Simon vai entrar na história como “o primeiro filme sobre um romance gay e adolescent­e produzido por um dos grandes estúdios de Hollywood”

“Além de qualquer universo militante ou político em que o possamos inscrever, é uma comédia romântica”

 ??  ?? Nick Robinson interpreta nesta comédia romântica um rapaz gay que só revela a sua identidade na net
Nick Robinson interpreta nesta comédia romântica um rapaz gay que só revela a sua identidade na net

Newspapers in Portuguese

Newspapers from Portugal