Diário de Notícias

O rock folclórico dos Lusitanian Ghosts

Os cordofones tradiciona­is portuguese­s não são propriamen­te os instrument­os mais habituais numa banda rock, mas o músico luso-canadiano Neil Leyton prova exatamente o contrário no disco de estreia deste coletivo, no qual as estrelas são as violas amarant

- Miguel Judas POR

Orock and roll corre-lhe nas veias. Sempre assim foi, especialme­nte desde que, ainda criança, se mudou com a família de Lisboa para o Canadá, mais em concreto para a região de Toronto, onde Neil Leyton iniciou a carreira como músico e produtor, prosseguid­a mais tarde em Londres e agora também em Lisboa, para onde regressou há alguns anos. “É mesmo um projeto de rock and roll, porque isso é o que sei fazer”, esclarece Neil, ao falar sobre o disco de estreia homónimo dos Lusitanian Ghosts, um coletivo que recupera alguns cordofones tradiciona­is portuguese­s para fazer, lá está, “rock puro e duro”.

A ideia começou a germinar-lhe na cabeça quando, pouco tempo antes de morrer, o avô Adelino lhe ofereceu um cavaquinho e um banjolim, “uma espécie de banjo português, muito pequeno”, que Neil nem sequer sabia existir. “Pendurei-os na parede, mas fiquei a pensar naquilo”, confessa. Anos mais tarde, os músicos Guillermo de Llera e Abel Beja, ambos dos Primitive Reason e de quem é amigo, tiveram um projeto em que tocavam vários cordofones tradiciona­is, despertand­o-lhe novamente o interesse por estes instrument­os antigos.

“O Abel emprestou-me a viola beiroa e eu peguei naquilo, mesmo sem perceber nada da afinação, e fiquei fascinado. Tem uma corda, a requinta, que funciona como uma espécie de drone. A partir daí comecei a interessar-me muito mais por esse universo esquecido dos cordofones portuguese­s e a perceber que havia todo um mundo além da guitarra portuguesa”, diz o músico, que contou ainda com a involuntár­ia ajuda do sueco Micke Ghost, o guitarrist­a do último disco a solo de Neil, editado em 2011. “Veio cá visitar-me e ofereci-lhe uma viola amarantina.”

Poucos dias depois, postou um vídeo com uma versão do You Can’t Always GetWhatYou­Want, dos Stones, tocada com essa viola e fez-se luz na minha cabeça”, recorda Neil, que desde o regresso a Lisboa estava a sofrer de “bloqueio artístico”. “Não conseguia fazer em Portugal o mesmo rock que fazia em Toronto ou em Londres. E os cordofones vierem resolver essa situação, tornando tudo muito mais interessan­te e desafiante”, sustenta.

Além de Neil Leyton na viola beiroa e de Micke Ghost na amarantina, o projeto conta ainda com a participaç­ão de outros músicos convidados, que nos últimos anos têm ajudado a fazer renascer estes instrument­os, como é o caso de Abel Beja na terceirens­e, de O Gajo na campaniça e de Vasco Ribeiro Casais, mais conhecido como OMIRI, na braguesa. O coletivo foi ainda acompanhad­o por João Sousa na bateria e Guillermo de Llera nas percussões.

“Nenhum de nós é um tocador tradiciona­l, o nosso objetivo não é esse. Tal como não somos um grupo, prefiro antes ver-nos como um coletivo de músicos que, cada um à sua maneira, pegou nestes instrument­os dando-lhe uma nova vida. O disco casa assim a sonoridade destes cordofones com a estética do rock, ao longo de 11 temas, cantados em inglês, da autoria de Neil Leyton e Micke Ghost. “Fizemos um trabalho de pré-produção para definir a estrutura das canções e dos instrument­os que entravam em cada uma, mas entretanto já tivemos de aprender a tocar juntos e a verdade é que ao vivo funciona muito bem, especialme­nte quando tocamos sem a bateria e o baixo. Só com os cordofones e a voz soa ainda mais a novo e se calhar é assim que vamos levar isto para o palco”, sublinha. Para já ainda não há qualquer concerto marcado, mas o objetivo é fazer algumas apresentaç­ões ao vivo, “mais lá para o outono”, quando for editado a versão em vinil do álbum. “Não é um projeto fácil de levar para a estrada, devido às agendas de cada um, mas vão acontecer alguns concertos de apresentaç­ão”, garante.

Em paralelo com as gravações do disco, foi também filmado um documentár­io, realizado por André Miranda, que além de documentar todo o trabalho de estúdio desvenda também as tradições musicais associadas aos instrument­os tradiciona­is recuperado­s pelos Lusitanian Ghosts. “No documentár­io há alguns tocadores a criticar-nos, por estarmos a deturpar a tradição, mas também há pessoas, como o etnomusicó­logo Domingos Morais, do Museu da Música de Cascais, a defender que quem mantém os instrument­os vivos são os músicos, independen­temente da forma como os tocam”, salienta.

“Estes instrument­os caíram na desgraça total, eram considerad­os algo sem valor e muitos foram parar à lareira. Só nos últimos tempos começaram a ser redescober­tos por uma nova geração”, defende o músico, que começou já a preparar um novo trabalho dos Lusitanian Ghosts. “No outro dia, ensaiávamo­s para ir tocar numa rádio, eu e o Micke, e só com uma beiroa e uma amarantina escrevemos mais seis músicas. Talvez gravemos um EP, desta vez só com os cordofones, para editar no início do ano”, adianta. Lusitanian Ghosts

 ??  ?? O grupo recuperou vários instrument­os para obter uma nova sonoridade nas suas canções
O grupo recuperou vários instrument­os para obter uma nova sonoridade nas suas canções
 ??  ??

Newspapers in Portuguese

Newspapers from Portugal