O rock folclórico dos Lusitanian Ghosts
Os cordofones tradicionais portugueses não são propriamente os instrumentos mais habituais numa banda rock, mas o músico luso-canadiano Neil Leyton prova exatamente o contrário no disco de estreia deste coletivo, no qual as estrelas são as violas amarant
Orock and roll corre-lhe nas veias. Sempre assim foi, especialmente desde que, ainda criança, se mudou com a família de Lisboa para o Canadá, mais em concreto para a região de Toronto, onde Neil Leyton iniciou a carreira como músico e produtor, prosseguida mais tarde em Londres e agora também em Lisboa, para onde regressou há alguns anos. “É mesmo um projeto de rock and roll, porque isso é o que sei fazer”, esclarece Neil, ao falar sobre o disco de estreia homónimo dos Lusitanian Ghosts, um coletivo que recupera alguns cordofones tradicionais portugueses para fazer, lá está, “rock puro e duro”.
A ideia começou a germinar-lhe na cabeça quando, pouco tempo antes de morrer, o avô Adelino lhe ofereceu um cavaquinho e um banjolim, “uma espécie de banjo português, muito pequeno”, que Neil nem sequer sabia existir. “Pendurei-os na parede, mas fiquei a pensar naquilo”, confessa. Anos mais tarde, os músicos Guillermo de Llera e Abel Beja, ambos dos Primitive Reason e de quem é amigo, tiveram um projeto em que tocavam vários cordofones tradicionais, despertando-lhe novamente o interesse por estes instrumentos antigos.
“O Abel emprestou-me a viola beiroa e eu peguei naquilo, mesmo sem perceber nada da afinação, e fiquei fascinado. Tem uma corda, a requinta, que funciona como uma espécie de drone. A partir daí comecei a interessar-me muito mais por esse universo esquecido dos cordofones portugueses e a perceber que havia todo um mundo além da guitarra portuguesa”, diz o músico, que contou ainda com a involuntária ajuda do sueco Micke Ghost, o guitarrista do último disco a solo de Neil, editado em 2011. “Veio cá visitar-me e ofereci-lhe uma viola amarantina.”
Poucos dias depois, postou um vídeo com uma versão do You Can’t Always GetWhatYouWant, dos Stones, tocada com essa viola e fez-se luz na minha cabeça”, recorda Neil, que desde o regresso a Lisboa estava a sofrer de “bloqueio artístico”. “Não conseguia fazer em Portugal o mesmo rock que fazia em Toronto ou em Londres. E os cordofones vierem resolver essa situação, tornando tudo muito mais interessante e desafiante”, sustenta.
Além de Neil Leyton na viola beiroa e de Micke Ghost na amarantina, o projeto conta ainda com a participação de outros músicos convidados, que nos últimos anos têm ajudado a fazer renascer estes instrumentos, como é o caso de Abel Beja na terceirense, de O Gajo na campaniça e de Vasco Ribeiro Casais, mais conhecido como OMIRI, na braguesa. O coletivo foi ainda acompanhado por João Sousa na bateria e Guillermo de Llera nas percussões.
“Nenhum de nós é um tocador tradicional, o nosso objetivo não é esse. Tal como não somos um grupo, prefiro antes ver-nos como um coletivo de músicos que, cada um à sua maneira, pegou nestes instrumentos dando-lhe uma nova vida. O disco casa assim a sonoridade destes cordofones com a estética do rock, ao longo de 11 temas, cantados em inglês, da autoria de Neil Leyton e Micke Ghost. “Fizemos um trabalho de pré-produção para definir a estrutura das canções e dos instrumentos que entravam em cada uma, mas entretanto já tivemos de aprender a tocar juntos e a verdade é que ao vivo funciona muito bem, especialmente quando tocamos sem a bateria e o baixo. Só com os cordofones e a voz soa ainda mais a novo e se calhar é assim que vamos levar isto para o palco”, sublinha. Para já ainda não há qualquer concerto marcado, mas o objetivo é fazer algumas apresentações ao vivo, “mais lá para o outono”, quando for editado a versão em vinil do álbum. “Não é um projeto fácil de levar para a estrada, devido às agendas de cada um, mas vão acontecer alguns concertos de apresentação”, garante.
Em paralelo com as gravações do disco, foi também filmado um documentário, realizado por André Miranda, que além de documentar todo o trabalho de estúdio desvenda também as tradições musicais associadas aos instrumentos tradicionais recuperados pelos Lusitanian Ghosts. “No documentário há alguns tocadores a criticar-nos, por estarmos a deturpar a tradição, mas também há pessoas, como o etnomusicólogo Domingos Morais, do Museu da Música de Cascais, a defender que quem mantém os instrumentos vivos são os músicos, independentemente da forma como os tocam”, salienta.
“Estes instrumentos caíram na desgraça total, eram considerados algo sem valor e muitos foram parar à lareira. Só nos últimos tempos começaram a ser redescobertos por uma nova geração”, defende o músico, que começou já a preparar um novo trabalho dos Lusitanian Ghosts. “No outro dia, ensaiávamos para ir tocar numa rádio, eu e o Micke, e só com uma beiroa e uma amarantina escrevemos mais seis músicas. Talvez gravemos um EP, desta vez só com os cordofones, para editar no início do ano”, adianta. Lusitanian Ghosts