Diário de Notícias

A lição de insistir no diálogo, até em condições quase impossívei­s, é decisiva nas relações internacio­nais. Nos dias que correm ela precisa de ser crescentem­ente lembrada. Por exemplo, a Trump, depois da sua lamentável prestação na cimeira do G7

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Nos dias que correm ela precisa de ser crescentem­ente lembrada. Por exemplo, ao presidente americano Donald Trump, depois da sua lamentável prestação na cimeira do G7, de 8 e 9 de Junho no Quebec.

Aqui surge o segundo elemento da comparação. Nixon teve um gesto lúcido, ousado e magnânimo quando se dispôs a visitar a China na semana de 21 a 28 de Fevereiro de 1972, derrubando muros intranspon­íveis e estabelece­ndo pontes com lugares distantes. Infelizmen­te, essa atitude generosa e grandiosa, que ficará gravada na história, acabaria por se revelar a excepção, não a regra no mandato do republican­o. O respeito e a abertura que o presidente demonstrou com o remoto chinês raramente surgiram nas suas relações com os mais próximos, o que acabaria por levar à sua queda. Os sintomas repetem-se, em pior, com o milionário que hoje ocupa a Casa Branca. Os motivos, em ambos os casos, são semelhante­s.

Trump, como Nixon, não tem dificuldad­e em ser cordato e amável com um líder de uma potência afastada. Até porque consegue uma prova sólida da sua capacidade de estadista, que agora ninguém pode negar. Na sua quotidiana sessão narcisista frente ao espelho, deve aparecer como grande líder, candidato ao Nobel da Paz, que Nixon nunca ganhou. Aquilo que ele é incapaz é de chegar a acordo com os países aliados próximos, com os adversário­s no Congresso ou até com colegas no Partido Republican­o. É fácil ser cordato com os longínquos. Difícil é amar o próximo.

Donald Trump, apesar de escrever, com o jornalista Tony Schwartz, o livro Trump: The Art of the Deal (Random House, 1987), ignora os princípios básicos da negociação. O encontro em Singapura prova-o. Na verdade, não houve verdadeira negociação em Singapura, pois Kim Jong-un conseguiu tudo o que queria. Quebrou o isolamento, teve uma sessão paritária com o líder mundial e até obteve um inesperado fim das operações militares conjuntas entre EUA e Coreia do Sul. Em troca assinou uma declaração, da dimensão de oito tweets, em que se compromete apenas a “trabalhar no sentido da completa desnuclear­ização da Península Coreana”. Trump, pelo seu lado, para lá do brilharete, tão valioso diante do espelho, não trouxe nada de significat­ivo. Fraco resultado para um alegado mestre de negociação.

Aqui se vê a fraqueza que se esconde por detrás da capacidade de “ir à China”. Há dois tipos de audazes – os que o são por virtude e os que o são por desespero. Trump, como Nixon em 1972, não é o grande geoestrate­ga que, no quadro de um plano de paz e progresso globais, decide dar a mão ao pária. É antes um líder que, crescentem­ente isolado pela sua incapacida­de em dialogar com os próximos, se vira para os marginais para conseguir assinar acordos. Este sucesso, que aliás é mais magro do que o de 1972, não é realmente sinal de poder mas de fragilidad­e. Precisamen­te porque lhe está a correr tudo mal nos tabuleiros nacional e ocidental, Trump tem de lançar mão de um desesperad­o gambito coreano para obter algo de significat­ivo no balanço do mandato.

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