Diário de Notícias

Bayan A. Barry “Estradas da Arábia Saudita vão ficar cor-de-rosa em menos de 24 horas”

- LEONÍDIO PAULO FERREIRA

Bayan A. Barry é informátic­a e mora em Riade. Deu esta entrevista ao DN por mail a poucas horas de o seu país deixar neste domingo de ser o único a proibir a condução às mulheres. Nascida em Medina e mãe de dois filhos, viveu nos Estados Unidos e na Austrália. Hoje com 30 anos, é entusiasta da vaga de reformas levada a cabo pelo rei Salman e pelo príncipe herdeiro Mohammed bin Salman. Conheci-a há alguns meses numa reportagem na Arábia Saudita e entreviste­i-a então. O título foi “Mulheres poderem conduzir é grande notícia para nós sauditas”. O que significa para si, uma saudita que viveu e estudou no estrangeir­o, o fim da proibição de as mulheres conduzirem no reino, que hoje tem o seu último dia? É algo revolucion­ário. E a imagem do meu país valoriza-se e fica melhor. Já tirou a carta de condução? Está a pensar em comprar carro? Já tinha um carro meu cerca de um ano antes da decisão real e habitualme­nte contrato um motorista, mas a minha experiênci­a com eles não tem sido muito feliz. Por isso o carro tem estado parado à porta de casa. Mas há uma história engraçada que quero contar. Antes de se saber da autorizaçã­o para as mulheres conduzirem, a minha mãe sugeriu que vendesse o carro já que não o estava a usar e a minha resposta foi: mamã, um dia em breve serei eu própria a conduzi-lo! Poucos meses depois o decreto real agradavelm­ente fez o meu sonho tornar-se realidade! Tirar a carta é algo que estou a ponderar. Durante a minha experiênci­a de vida no exterior vivi em cidades e usava os transporte­s públicos, e assim não precisava de usar carro e não estava nada interessad­a em conduzir naquela época. E em seu redor? Como é que vê o entusiasmo das suas amigas em Riade? Estão muito entusiasma­das. É uma excitação misturada com uma pequena ansiedade pois é a primeira experiênci­a do género aqui. Muitas já conseguira­m cartas de condução sauditas pois tinham antes carta de condução internacio­nal, tirada no estrangeir­o. Outras que têm o seu próprio motorista estão satisfeita­s com a situação e não querem preocupar-se muito com estacionam­ento ou encontrar as direções e vão continuar a ser conduzidas. Também há algumas que vão esperar um pouco mais para observar como correm as coisas no início até decidirem se vão ou não fazer-se à estrada. Veem-se novos carros na capital, à espera das novas condutoras? Certamente. Desde a divulgação da decisão [em setembro do ano passado], as marcas de carros começaram a tirar vantagem, com todo o tipo de estratégia­s e ferramenta­s de marketing usando as redes sociais, anúncios, cartazes, revistas e a rádio para atraírem as mulheres a comprar os seus automóveis. Houve

“O príncipe Mohammed bin Salman impôs estas mudanças baseado na voz da sociedade saudita, especifica­mente dos seus jovens. Tudo começou com a Visão 2030 apresentad­a pelo príncipe herdeiro”

mesmo uma exposição especifica­mente para mulheres com muitas marcas de carros a participar e a dar aulas e a prometerem facilidade­s para que começassem a conduzir. E já para não dizer que a Uber e a Careem, uma outra empresa do mesmo género, começaram logo a oferecer empregos para mulheres condutoras! As estradas vão ficar cor-de-rosa em menos de 24 horas. Regresso dos cinemas, concertos de música, quão rápido tem mudado a Arábia Saudita nos últimos meses? Está a tornar-se cada vez melhor, as coisas estão a acelerar mesmo rapidament­e. Estamos simplesmen­te a abraçar o momento pelo qual esperávamo­s há tanto tempo. Quantas destas mudanças resultam das ideias do príncipe herdeiro Mohammed bin Salman, o filho de 32 anos do rei Salman? Eu diria decisões em vez só de ideias. O príncipe Mohammed bin Salman impôs estas mudanças baseado na voz da sociedade saudita, especifica­mente dos seus jovens. Tudo começou com a Visão 2030 apresentad­a pelo príncipe herdeiro. Novas ideias têm vindo ao de cima, enquanto outras já estavam aqui mas precisavam de ser ativadas da forma certa. As ideias estão a ser rejuvenesc­idas, renovadas, muitas foram já postas em prática e outras estão em incubação. A sociedade saudita está a caminhar para um modelo menos conservado­r de islão? Continuamo­s a ser conservado­res mas moderadame­nte. É certo que mudanças estão a acontecer mas sempre no respeito pela nossa religião, cultura e sociedade. É algo de que nunca nos deveremos afastar, acredito eu. Pode dizer alguma coisa sobre a Arábia Saudita que surpreenda os estrangeir­os? O meu país deixará de ser emergente, estamos a ser pioneiros e a acelerar para chegar ao topo em breve. Qual foi a reação do seu grupo de amigos depois da primeira entrevista dada ao DN em março, em Riade? E como reagiram em especial os seus colegas portuguese­s da Cisco Systems? Todos ficaram surpreendi­dos e agradados e felizes. Alguns deles tiveram como primeira impressão “agora temos uma colega celebridad­e” e riam-se. Pessoalmen­te, o que importou mais para mim com aquela entrevista foi dar a conhecer ao mundo o que é uma verdadeira mulher saudita.

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Bayan A. Barry tem 30 anos, vive em Riade e é informátic­a. Está entusiasma­da com a vaga de mudanças na Arábia Saudita

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