Mais doentes com cancro e problemas de coração nos centros de saúde
Aumento. Médicos de família estão a atender mais casos das doenças que mais matam no país, revela o Relatório de Acesso ao Serviço Nacional de Saúde em 2017, entregue pelo ministro na Assembleia da República nesta semana
Mais doentes com cancro, mais hipertensos, diabéticos, obesos, e ainda mais pessoas com depressão ou que abusam de tabaco. Os médicos de família estão a atender cada vez mais casos das principais doenças, que levaram todas mais utentes aos centros de saúde nos últimos quatro anos, como mostra o relatório da produção do Serviço Nacional de Saúde em 2017, entregue pelo ministro na Assembleia da República nesta semana e ao qual o DN teve acesso. A grande exceção é mesmo o VIH, que se manteve estável.
Dos cerca de 183 mil utentes que, em média, estão inscritos em cada um dos agrupamentos de centros de saúde (ACES), mais de um quinto (22%) sofrem de hipertensão arterial. As doenças cardiovasculares ainda são a principal causa de morte em Portugal e são também – de longe, e também por isso – as mais acompanhadas pelos médicos de família. Assim como problemas de saúde que lhes estão associados, como o vício do tabaco (que afeta 11% dos doentes inscritos nos centros de saúde, mais 3% do que em 2014) ou a obesidade (8,6%, quando em 2014 atingia 5,8% dos utentes). “Há uma natural preocupação com as doenças cardiovasculares”, reconhece Rui Nogueira, que lidera a Associação de Medicina Geral e Familiar. “Tem havido um grande investimento nos últimos anos para seguir estes doentes e esses reflexos começam a notar-se agora. Um investimento que se está a fazer agora na área do cancro, que em breve será a primeira causa de morte em Portugal. Uma pessoa que não morre aos 60 anos de enfarte, acabará por morrer aos 80 de cancro.”
E o que os números revelam é uma subida de doentes oncológicos acompanhados nos centros de saúde, que passaram de 3% para 4% do total de utentes nos últimos quatro anos. As estatísticas sobre as causas de morte já mostram que o cancro se aproxima dos problemas cardiovasculares: a doença foi responsável por um quarto dos óbitos em Portugal em 2016, 5% atrás das doenças cardiovasculares. A diabetes representa cerca de 4% das mortes no país e 8% do total de doentes seguidos pelos médicos de família. “O grande desafio agora no cancro é fazer o diagnóstico precoce, onde estamos a ter bons resultados, embora ainda haja problemas no pulmão e no intestino. O cancro do pulmão, por exemplo, está a subir muito à custa do aumento de mulheres fumadoras. Há que incentivar hábitos saudáveis, com campanhas de desincentivação”, diz Rui Nogueira.
Recorde-se que ainda recentemente foi lançada uma campanha contra o tabaco especificamente dirigida às mulheres, com a mensagem-chave “Uma princesa não fuma”, e que foi muito criticada por setores políticos e sociais por ser “culpabilizante das mulheres”, como acusou a deputada socialista Isabel Moreira. Vacinados fora do prazo Cerca de 15 mil bebés não foram vacinados contra o sarampo e a meningite dentro do prazo recomendado, no ano passado. A percentagem de crianças vacinadas depois dos 12 meses em 2017 (vacinação para bebés nascidos em 2015, que no total foram 85 500) rondou 16%, no caso do sarampo, e 15%, no da meningite. Porém, salienta o relatório anual de acesso à saúde, os valores até melhoraram em relação a 2016 e a cobertura para a primeira dose da vacina contra o sarampo acabou por ser de 98% quando as crianças fizeram 2 anos. “Continuam a registar-se valores abaixo da meta em algumas áreas do país”, alerta o documento, que sublinha que os surtos de 2017 alertam para a necessidade de um maior investimento no cumprimento do Plano Nacional deVacinação.
“As percentagens de crianças vacinadas contra o sarampo além dos 12 meses não são relevantes", considera Rui Nogueira, que explica que devem ser vacinadas entre os 12 e os 15 meses. “Até há uns anos a idade mínima de vacinação era de 15 meses. E não vacinávamos mais cedo porque muitas vezes as crianças ainda tinham os anticorpos transmitidos pelas mães.” Portugal registou dois surtos de sarampo no ano passado, com um total de 27 casos confirmados, incluindo uma morte. Ocorreram em duas regiões de saúde, entre fevereiro e maio de 2017: sete no Algarve e 20 na Região de Lisboa e Vale do Tejo. Dezassete desses doentes não estavam vacinados, dos quais cinco eram bebés ainda sem idade para receber a vacina; 19 casos eram adultos, incluindo 12 profissionais de saúde.