Diário de Notícias

Filipe Azevedo “Ser o primeiro português na Rússia trouxe-me responsabi­lidade”

- MIGUEL HENRIQUES

Filipe Azevedo fez uma carreira no futebol colecionan­do golos e carimbos no passaporte pelos relvados onde se aventurou a jogar. Filho de emigrantes em França, nasceu para o futebol no Marselha (1993-94), onde se cruzou com Rui Barros, saltou para o Felgueiras (1995-96), foi goleador no Alverca (1998-99) e em 2000 rumou à Rússia. No Lokomotiv de Moscovo fez história, não pelos golos que nunca chegou a marcar, mas por ter sido o primeiro de muitos portuguese­s que haveriam de passar pelo futebol de leste até aos dias de hoje. Aos 43 anos, já não joga mas tem histórias para contar. Como é que um jogador dá o salto do Alverca para o Lokomotiv de Moscovo? O meu empresário ligou-me e perguntou-me se eu queria jogar na Liga dos Campeões. Eu, como qualquer atleta, tinha o sonho de participar na Champions, e disse sim. Depois perguntei-lhe por que clube, e soube que era o Lokomotiv de Moscovo. Portanto, havendo a possibilid­ade de jogar a Liga dos Campeões iria sempre? Sim, e porque me disseram que era um clube que ia jogar para ser campeão. Mas claro que fiquei de falar com a minha família, e disse-lhe que dava uma resposta definitiva mais tarde. Hoje posso dizer que fiquei contente por ter essa oportunida­de de jogar para ser campeão e disputar uma Liga dos Campeões (N.d.r. O Lokomotiv acabou por perder a 3.ª pré-eliminatór­ia da prova milionária e ser relegado para a Taça UEFA). Na altura, o guarda-redes russo Ovchinniko­v estava no Alverca consigo. Pediu-lhe conselhos? Sim, o Sergei falou-me muito bem do clube, das competiçõe­s e do treinador (Yuriy Semin). Disse-me ainda maravilhas da cidade e aconselhou-me a ir. Vi que estavam reunidas todas as condições para poder ser uma boa experiênci­a para mim como atleta e para me valorizar. Uma coisa é jogar no Alverca, com todo o respeito, e outra coisa é jogar no Lokomotiv. Tinha consciênci­a de que era o primeiro português a jogar na Rússia? No início nem pensei nisso, não foi a minha preocupaçã­o. Mas depois falou-se sobre isso na comunicaçã­o social. O facto de eu ser o primeiro português trouxe-me alguma responsabi­lidade porque, correndo as coisas bem, poderia abrir as portas a outros portuguese­s. A partir daí, por exemplo, o Dínamo Moscovo investiu em jogadores portuguese­s. Ficou surpreendi­do com as condições que encontrou? Sim, fiquei impression­ado. Estamos a falar de um clube que, naquela altura, tinha um centro de estágio, coisa que nenhum dos três grandes em Portugal possuía. O Lokomotiv tinha acabado de investir milhões de dólares em campos, num hotel, num restaurant­e. Chegávamos de manhã, tomávamos o pequeno-almoço, e quando havia dois treinos por dia tínhamos direito a um quarto onde descansáva­mos. Só íamos embora ao final do dia. Algo que só nos últimos anos apareceu em Portugal. Os russos são conhecidos por ter uma mentalidad­e forte, é verdade? Sim, psicologic­amente, os russos são muito fortes. Nós vemos nos próprios jogos, eles nunca se dão por vencidos, lutam até ao fim. Nós cá temos a tendência de nos queixarmos um pouco nos treinos, lá não. Quando havia um treino físico, ninguém refilava ou queixava-se de alguma coisa. O que era para fazer, eles faziam. O russo é muito forte psicologic­amente e muito profission­al. Sentiu-se sempre seguro na Rússia? Em 2000 havia aqueles problemas com a Chechénia e a própria cidade enfrentava problemas de segurança. Houve alguns atentados com bombas em Moscovo. Hoje em dia está tudo calmo, mas nessa altura era a realidade. Lembro-me de termos ido fazer um jogo a Alania, perto da Chechénia, e foi curioso. Nós sabíamos que não iria acontecer nada, mas havia uma segurança incrível. Chegámos e tínhamos polícias armados em todo o lado: junto do autocarro, no hotel, no restaurant­e onde jantávamos.… Fazia-me confusão porque na Europa não estava habituado a isto. Como era viver em Moscovo? Eu vivia ao pé da PraçaVerme­lha e era incrível. Havia um movimento enorme, centros comerciais onde às vezes passeava, a comida era muito boa, havia restaurant­es de todos os géneros. Moscovo é uma cidade lindíssima, com museus grandiosos. Esse contraste de mentalidad­es e as diferenças culturais impression­aram-me. Lembra-se de alguma história caricata que tenha vivido? Lembro-me de uma. As cidades onde íamos jogar eram sempre muito longe, e tínhamos de fazer voos de duas a três horas. Na minha primeira saída, os jogadores vieram dizer-me que o Igor Chugainov, o capitão de equipa, seria um dos pilotos. Eu fiquei meio incrédulo quando o vi entrar na cabina. Na verdade ele não era o piloto, mas sim o copiloto. Ele tinha tirado o brevet e, para além de jogar, pediam-lhe para ir como copiloto. Porque é que só ficou um ano na Rússia? Eu entrei muito bem na equipa. Nos dois primeiros jogos fiz parte do onze da jornada, os adeptos já entoavam uma canção com o meu nome. Fiz seis, sete jogos, e depois tive uma lesão grave em que fraturei o pé e vim para Portugal recuperar da lesão. A imagem que ficou do meu início foi boa. Tinha a possibilid­ade de voltar a renovar com o Lokomotiv, mas devido a problemas familiares acabei por ficar por Portugal. Que expectativ­as tem para este Mundial de futebol na Rússia? Não tenho dúvidas de que os russos vão receber muito bem as equipas, e em termos de segurança não haverá qualquer problema. Os russos quando fazem algo, fazem sempre em grande. Acredito que vai ser um sucesso.

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