Diário de Notícias

“Sultão” Recep Erdogan tem dupla prova de fogo nas urnas

Eleitores são chamados a votar hoje em presidenci­ais e parlamenta­res. O homem que lidera o país há 15 anos antecipou o escrutínio e arrisca perder a maioria na assembleia

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Recep Tayyip Erdogan durante um comício realizado na cidade de Istambul na passada sexta-feira

CÉSAR AVÓ Sultão, reïs (almirante da frota otomana), autoritári­o, ditador... A cristaliza­ção de Recep Tayyip Erdogan no poder resultou num reforço de poderes que levam a comparaçõe­s pouco simpáticas para o presidente turco. De tal forma que as eleições de hoje (presidenci­ais e legislativ­as) são mais uma vez vistas como um plebiscito a esta figura central do Médio Oriente.

As sondagens indicam que Erdogan poderá não conseguir vencer à primeira volta, graças à surpresa chamada Muharrem Ince, e também que o seu partido tem a maioria parlamenta­r em risco. Daí que já tenha sinalizado a disponibil­idade para um acordo pós-eleitoral.

Aos 64 anos, e após 15 no poder, primeiro como chefe do governo, agora como presidente, Erdogan está perto do seu objetivo: ser mandatado pelo povo para assumir funboa ções em conformida­de com a revisão constituci­onal, feita à sua medida, e adotada no ano passado, após ter sido aprovada em referendo.

Opositores e apoiantes concordam que a Turquia é hoje um país muito diferente. A economia sofreu uma evolução inegável, grandes obras públicas e de infraestru­turas modernizar­am a república fundada por Mustafa Kemal Atatürk. Por outro lado, os avanços do conservado­rismo religioso são inegáveis. A herança do Estado secular foi-se esboroando e o seu maior símbolo, o exército – o último guardião do secularism­o –, foi desmantela­do na sequência do golpe de 2016.

Tal como mais de 40 mil pessoas – magistrado­s e jornalista­s à cabeça –, dezenas de generais e milhares de oficiais do exército tiveram a prisão como destino. Mais de 120 mil funcionári­os públicos foram suspensos ou despedidos. Erdogan culpou o clérigo Fethullah Gulen, radicado nos EUA, de orquestrar o golpe, ao que este respondeu que se tratou de um “cenário escandalos­o e hediondo construído por Erdoggan e seus cúmplices”. Um golpe fabricado que permitiu livrar-se de opositores e ganhar ainda mais popularida­de, alegam os críticos. Em resultado das purgas, dezenas de jornais, revistas, estações de TV e de rádio foram encerrados.

Para os seus defensores, é o líder incontesta­do da maioria conservado­ra em oposição à elite urbana e secular e é também o responsáve­l do milagre económico que permitiu a entrada do país para o G20.

Retratado como um sultão invencível no Ocidente, este confesso nostálgico do Império Otomano ganhou todas as eleições desde a chegada ao poder do Partido da Justiça e Desenvolvi­mento, AKP, em 2002. vizinhança – esta acabou tão esquecida como o ministro quando a Primavera Árabe abanou as fundações e a guerra na Síria eclodiu.

Erdogan virou-se contra Bashar al-Assad, apoiou grupos rebeldes islamistas, entrou em território sírio para combater curdos e, pelo meio, andou às avessas com Vladimir Putin, Barack Obama ou Benjamin Netanyahu, só para dar alguns exemplos.

Antes de entrar na política, pela porta do islamismo, este natural de Istambul, casado e pai de quatro filhos, foi jogador de futebol.

Surpreende­u ao ser eleito presidente da Câmara de Istambul em 1994. Quatro anos depois foi condenado a prisão efetiva por incitar ao ódio, ao recitar um poema religioso. No regresso à política, em 2002, o AKP ganha as eleições e chega a primeiro-ministro.

O ano de 2013 é de má memória para Erdogan: ele e o seu círculo são acusados de corrupção e os protestos contra os planos de demolição do Parque Gezi têm como resposta uma onda de repressão que se traduz em 22 mortos e milhares de presos. No ano seguinte, torna-se o primeiro presidente turco eleito por sufrágio universal.

Erdogan quer deixar um lugar na história do seu país. “Um homem morre, mas o seu trabalho sobrevive.” A construção da terceira ponte sobre o Bósforo, de uma gigantesca mesquita ou o palácio presidenci­al são exemplos de construçõe­s para a posteridad­e.

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