Diário de Notícias

Farhadi, o génio iraniano que apaixonou Espinho

Acaba amanhã o Fest, festival do cinema jovem. Estivemos na masterclas­s de Asghar Farhadi, iraniano que venceu dois Óscares

- RUI PEDRO TENDINHA

Será fácil pensarmos num céu cinéfilo onde nos cruzamos na piscina municipal com Asghar Farhadi, o cineasta dos dois Óscares que abriu Cannes este ano, e também com Roman Coppola, o cúmplice preferido de Wes Anderson. Espinho pode ser então essa possibilid­ade de paraíso aberto para os jovens que estão viciados em cinema. Afinal de contas, o Fest chama-se Festival Novos Realizador­es, Novos Filmes, mas é com consagrado­s que animam as masterclas­ses no Training Ground no Multimeios que centenas de jovens de todo o mundo correm a encher o auditório.

Na sexta-feira, com a sala esgotada, nas perguntas que vieram da plateia na palestra do iraniano Asghar Farhadi, a provar o carácter global do festival, apenas duas tiveram sotaque inglês-português. E o cineasta de O Vendedor e Uma Separação gostou. “Aqui sinto-me em casa, ao contrário dos grandes festivais como Berlim e Cannes, onde acaba por ser só sobre dinheiro. Prefiro este tipo de festival. Aqui encontrei pessoas jovens que gostam mesmo de cinema, fiquei surpreendi­do. Muito obrigado por me terem convidado”, disse.

A masterclas­se de Farahadi viveu de conselhos cândidos e lições de humildade. O cineasta não escondeu o seu passado como dramaturgo e toda a sua ligação ao teatro, tendo, por exemplo, afastado a hipótese de um dia o seu cinema poder viver da sua escrita teatral. “São coisas diferentes, linguagens opostas”, frisou, mesmo quando lembrou que O Passado (2013), um dos seus grandes filmes, já fora adaptado ao teatro na Alemanha.

Os futuros profission­ais de cinema anotaram também outra recomendaç­ão do iraniano: “Tentem nesta arte ter prazer a filmar e não pensar no prazer dos prémios e do que acontece a seguir ao filmar. O que conta realmente é o prazer em dirigir, não depois...”

Os aplausos foram muitos, embora também tenha causado sensação a sua resposta quando um jovem aspirante a produtor quis saber como lida no Irão com a comissão de censura: “Para já, não tenho qualquer relação com o Ministério da Cultura. Na verdade, não tenho tido problemas com a censura porque, ao contrário de alguns dos meus colegas, o meu cinema é sobre a sociedade e as pessoas, não sobre o sistema. Mas no Irão tudo é decidido consoante o tempo. Se o argumento é lido num dia de chuva ou nublado mais possibilid­ade tem de ser chumbado...”

Asghar Farhadi fez todos os possíveis nesta conferênci­a para não dar muita importânci­a aos Óscares de Melhor Filme Estrangeir­o que venceu com Uma Separação eO Vendedor. Preferiu falar no seu processo de escrita: “O problema dos filmes, hoje em dia, é terem demasiados manifestos, demasiada mensagem.”

No final da Masterclas­se, o festival apresentou em estreia nacional Todos lo Saben, o seu último filme. Uma bela meditação sobre o nosso passado moral que teve honras de abertura em Cannes. Segundo o DN apurou, o vendedor internacio­nal não queria esta obra em Espinho e teve de ser o cineasta a intervir. O Fest marca pontos numa reta final que esta noite inclui uma sessão especial de uma nova cópia de Dementia 13, de Francis Ford Coppola, às 22.00 e, amanhã, a exibição de filmes premiados.

Realizador disse nunca ter tido problemas com a censura no Irão, mas avisou que por lá “tudo é decidido consoante o tempo”

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Uma Separação e O Vendedor valeram dois Óscares de Melhor Filme Estrangeir­o ao realizador

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