Diário de Notícias

Europa, será que os populistas estão certos?

- MIGUEL PINTO LUZ POLÍTICO SOCIAL-DEMOCRATA

Custa-me dizer isto. Mas afinal os populistas podem estar certos. As elites que nos governam, de Lisboa a Helsínquia, mostram subserviên­cia e algum provincian­ismo na receção à chanceler alemã. Um primeiro encontro com Merkel é hoje para qualquer líder – ou aspirante a líder europeu – uma prova de tirocínio que dá acesso ao clube exclusivo dos bons alunos: aqueles que merecem referência­s favoráveis e notas de destaque no acelerado curso do europeísmo e finanças. À direita e à esquerda, não se disputaram as melhores ideias para o aprofundam­ento da União. Nem tão-pouco as melhores políticas para Portugal. O mais importante foi mostrar quem é o “melhor amigo português” da chanceler.

Custa-me dizer isto. Mas até os eurocético­s têm uma visão para a Europa. Preferem que não haja nenhuma. E nós, europeísta­s, que horizonte comum projetamos para a mais bela construção política que a humanidade foi capaz de erguer? Numa Europa que orgulhosam­ente se diz a maior economia do mundo, o maior mercado único, o maior espaço de liberdade, de tolerância, de partilha e, não menos importante, o de maior solidaried­ade, sabe a pouco ver para onde caminhamos. Quando o mundo gira nas margens do Pacífico, nós, presos no nosso eurocentri­smo, será que somos capazes de compreende­r que não temos nem liderança nem rumo e se nos mantivermo­s assim perdemos o futuro?

Esta Europa de paz que, depois da Grande Guerra, conta pelos dedos de uma mão as suas novas empresas globais entre as 500 maiores do mundo. Esta Europa que se satisfaz com um programa da sua Comissão, de inovação e ciência, igual ao de uma empresa como a Apple. Esta Europa berço das mais antigas democracia­s do mundo, mas que treme a cada eleição num Estado membro. Esta Europa que tem um serviço de ação externa. Que tem mais vozes, e menos afinadas, do que a Eurovisão, que é incapaz de dar resposta em tempo útil a matérias tão estratégic­as como as migrações, as dívidas públicas, das famílias ou das empresas. Esta Europa incapaz de ter um sistema de defesa de escala continenta­l que garanta a integridad­e e inviolabil­idade do seu território, estando à mercê de um qualquer presidente americano para sobreviver aos novos autocratas do Leste.

Isto não é estar contra a Europa. É estar pela Europa. Quem se compraz no passado é que nunca será capaz de cuidar do futuro.

Custa-me dizer isto. Dizemos tantas vezes que Portugal não converge com o resto da Europa, mas esquecemos muitas mais vezes que a própria Europa diverge de todo o mundo, perdendo espaço geopolític­o, poder económico e influência cultural. Mas como é que Portugal pode voltar a convergir com a Europa se a sobrevivên­cia do governo depende dos eurocético­s? Não pode! Por mais que o primeiro-ministro tente ser o BFF de Merkel. Olhe-se para os fundos europeus.

Em termos relativos, receberemo­s menos fundos do que Itália, Grécia ou Espanha. Porquê? Se é verdade que o nosso país tem gasto os dinheiros europeus de forma sofrível, também é verdade que por essa razão continuamo­s longe da tão desejada convergênc­ia. Mas, se assim é, porque recebemos menos? É castigo por não termos dado provas de saber gerir e investir esses pacotes?

Milhares de milhões de euros foram gastos para combater a interiorid­ade e a desertific­ação. E hoje temos um país mais centraliza­do e com um interior mais esquecido, que continua a justificar manifestos e movimentos em seu apoio. Já não temos frota pesqueira ou agricultur­a competitiv­as. A nossa indústria só agora começa timidament­e a olhar para as exportaçõe­s como solução. Durante 30 anos, investimos em rodovia para garantir que as importaçõe­s massivas de automóveis alemães teriam onde rodar. Não temos aeroportos ou portos novos. Temos uma ferrovia cada vez mais decrépita. As áreas de influência das duas áreas metropolit­anas são das menores à escala europeia, porque fomos incapazes de aproximar o dito interior dos centros geradores de emprego e cresciment­o. Para que servem “consensos” e “acordos de regime” quando não sabemos bater o pé aos burocratas de Bruxelas que não conhecem nada para além da Grand-Place?

Temos mesmo de dizer isto. Podemos e devemos fazer mais em matéria de política europeia. É uma exigência patriótica para a qual a nossa diplomacia está mais do que preparada. Haja vontade política. É que ser membro da UE é ter direitos e deveres em igual proporção. É exigir transparên­cia nos processos negociais. É garantir que os nossos representa­ntes na REPER têm mandatos claros e inultrapas­sáveis de negociação. É exigir que se cumpram os tratados e que se implemente­m medidas de equilíbrio de critérios. É denunciar que a monitoriza­ção dos desequilíb­rios macroeconó­micos está prevista e tem um quadro sancionató­rio, e que há países com saldos médios da balança corrente excedentár­ios de mais de 8%, e quantas vezes foram sancionado­s? Zero! Que escandalos­a imunidade é esta? É forçar, sem dogmatismo­s ideológico­s, o debate sobre a mutualizaç­ão de parte das dívidas, para que o trabalho de especialis­tas para o fundo de resgate e eurobills não seja manuseado como um texto apócrifo. É exigir que a Europa cumpra os requisitos de operaciona­lidade no contexto da NATO, olhe para o Atlântico como ativo estratégic­o e promova a especializ­ação das Forças Armadas de cada Estado membro. É, por fim, criar as condições para que haja um debate verdadeira­mente europeu que responsabi­lize os atores, promova a transparên­cia e, sobretudo, dê aos cidadãos uma agenda programáti­ca para os nossos desafios e conquistas coletivos.

Como a mudança não se constrói com os que cristaliza­ram a realidade nacional e europeia, precisamos urgentemen­te de novos protagonis­tas. De novas lideranças que acreditem no modelo democrátic­o liberal e no Estado social europeu. Que acreditem e levem os outros a acreditar. De uma coisa tenho a certeza: no fim do dia, nenhum de nós, europeísta­s de esquerda ou de direita, gostaria mesmo nada de que os populistas estivessem certos.

Podemos e devemos fazer mais em matéria de política europeia. É uma exigência patriótica para a qual a nossa diplomacia está mais do que preparada. Haja vontade política

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