As fraquezas dos homens fortes
CBERNARDO
PIRES DE LIMA omeçamos a perceber que as coisas estão mal quando um presidente todo-poderoso como Erdogan tem necessidade de antecipar em 18 meses as eleições presidenciais. Foi o que aconteceu na Turquia, que hoje não só vai pela primeira vez a votos em simultâneo para o Parlamento e para a presidência como vê entrar em vigor as alterações constitucionais de reforço dos poderes presidenciais, aprovados no referendo de abril de 2017. Talvez por isso não seja descabido relembrar que nesse mesmo referendo, no qual votaram 85% dos turcos, o sim às alterações pró-Erdogan venceu com 51%, uma pequena margem de apenas um milhão e trezentos mil votos. Ou seja, os sinais políticos já lá estavam, mesmo tendo essa consulta ocorrido sob um estado de emergência, uma purga a 200 mil funcionários públicos e constantes problemas de segurança interna e regional. Isto é, num completo condicionamento da vida política e social sob a ordem de Erdogan.
O que tem acontecido à economia apenas adensa o sensível quadro turco: a lira desvalorizou 50% em dois anos, a inflação vai nos dois dígitos, as empresas foram obrigadas a reestruturações financeiras e o Estado levado a intervir. Entretanto, o político fez o resto: antes que nos próximos 18 meses a situação se deteriorasse – a ponto de fazer o AKP perder as municipais marcadas para março de 2019 –, Erdogan e o seu partido entram em jogo para salvar o absolutismo com que têm governado. A verdade é que poucos no Ocidente olham para a Turquia ou a Rússia pelo ângulo das suas fragilidades e preferem reduzir todo o acompanhamento ao mantra do excecionalismo pós-imperial como justificativo para todas as ações beligerantes que as têm caracterizado. No fundo, não temos feito muito mais do que condescender com invasões, tapar os olhos às violações de direitos humanos, e aceitar de forma acrítica comportamentos despóticos porque “não há alternativa”.
Um outro sinal dos tempos é a alteração da lei eleitoral que autoriza a formação de coligações formais no Parlamento. Claro que isto permite plataformas de entendimento às oposições, mas é o ângulo do poder que interessa aferir. O AKP teme verdadeiramente perder a maioria e toda a magnanimidade agressiva com que tem exercido o poder, garantia de implantação territorial suficiente para eternizar Erdogan como o homem forte da República no século XXI. A frente montada com os nacionalistas do MHP tem em vista a contenção de eventuais danos, embora uma vitória pírrica nas legislativas de hoje não tenha outra leitura que não a entrada numa nova fase da política turca. Já no domínio presidencial, onde está alicerçada a centralidade do sistema político, as sondagens oscilam entre uma vitória curta de Erdogan e a ida à segunda volta.
É verdade que a fiabilidade das sondagens já conheceu melhores dias, mas estamos longe de marchas triunfais preanunciadas como esta era dos homens fortes e autoritários parece fazer crer. Sobretudo não compro o argumento do fatalismo que olha para todos eles como protagonistas de uma caminhada imparável. Há Turquia para além de Erdogan, assim como há Rússia para além de Putin, América para além de Trump, Hungria para além de Orbán ou Itália para além de Salvini. Será que estamos condenados a viver rodeados de um eixo da testosterona, autoritário, nacionalista e xenófobo? Não creio. Mas também duvido que aqueles que estão do lado certo da história saibam o que fazer no dia em que Erdogan cair, ou como ajudar a Rússia no caso de a transição de poder pós-Putin vir a redundar num caos.Vamos cometer os erros da década de 1990, que aliás levaram à subida ao poder do mesmo senhor Putin?Vamos apoiar políticos duvidosos e à pressa porque nos demitimos de fazer um bom trabalho de casa, percebendo antecipadamente quem são os líderes que melhor poderão transformar a Rússia numa nação mais alinhada com os padrões de governação plurais, democratas e de defesa das liberdades e do Estado de direito?
O mesmo raciocínio pode ser aplicado à Turquia. Este meu argumento parte de uma premissa simples: ambas as nações são parte integrante da Europa, da sua história, cultura e identidade, do seu presente atribulado e do seu futuro necessariamente incerto. Por isso, defendi sempre a adesão da Turquia à UE e faria o mesmo se a Rússia optasse pelo mesmo caminho (coisa que nunca fará). O meu problema não está nos países em questão, nem no seu lugar na Europa. Está, sim, na natureza dos re-