Diário de Notícias

ENCHENTE NA BELA VISTA: A FESTA JÁ COMEÇOU

“O que o Rock in Rio fez cá nenhum outro festival destes fez”, diz ao DN Paula Nascimento, programado­ra do palco EDP Rock Street, inteiramen­te dedicado a África

- PATRÍCIA VIEGAS

Natural de Luanda, Paula Nascimento programou as três edições do festival África em Lisboa e esteve na direção do Teatro Maria Matos. Adora as artes. Teatro, dança, música, artes plásticas. Agora foi convidada a programar o palco EDP Rock Street África no festival Rock in Rio. Bonga, Tabanka Djaz, Paulo Flores, Batuk, Ferro Gaita, Kimi Djabaté, Karlon, Nástio Mosquito ou Selma Uamusse são alguns dos nomes para ver na Bela Vista até dia 30. Como é que surgiu este convite do Rock in Rio para fazer a programaçã­o do EDP Rock Street? A iniciativa é do Rock in Rio, de dedicar um palco na edição deste ano ao continente africano. O convite surgiu porque procuravam alguém que fizesse a programaçã­o a partir de cá. Chegaram até mim com este desafio. Como é que eles a descobrira­m? Acho que foi por causa de já trabalhar nesta área há 20 anos e do festival que organizei há anos, o África em Lisboa, que teve grande impacto. Ao fazer a programaçã­o, o seu maior critério foi a abrangênci­a, ou seja, representa­r um pouco de todo o continente africano e não só, por exemplo, a parte lusófona? Foi um trabalho difícil. Não complicado. Mas difícil. Era necessário alinhar uma série de vertentes diferentes e isso não foi imediato na minha cabeça. Queria mostrar primeiro do que tudo uma África atual, moderna, sendo que a modernidad­e africana constitui-se muito das nossas tradições. Mas há uma modernidad­e em África que, no exterior, não me parece muito... ... conhecida... conhecida... que não é muito fiel à realidade africana. Interessav­a-me muito conseguir mostrar essa África contemporâ­nea. Daí as bandas mais tradiciona­is, mais modernas, os vários géneros, isso tudo. Interessav­a-me poder sensibiliz­ar para uma África enquanto continente e não enquanto ideia de país, que muitas vezes existe, inconscien­temente. “Vou a África” ou “A música africana”. É desconstru­ir isso um bocadinho, para ser as músicas africanas, os países africanos. Daí também a questão das culturas, porque até em países muito próximos há culturas completame­nte diferentes. Também me interessav­a os países não serem exclusivam­ente lusófonos. Há também a questão dos públicos... Sim porque o Rock in Rio é um evento enorme com uma diversidad­e de públicos muito grande. Então, as propostas foram também no sentido de poder interessar a um público mais velho, a um público mais jovem, que gosta mais de hip-hop, de eletrónica. Enfim, compor esta malha, não foi logo evidente nem foi imediato. Foi-se fazendo. Com intuição e sensibilid­ade. Depois há toda a parte técnica, que é se as bandas podem nas datas... E fazer isso tudo num tempo recorde... Os músicos acharam estranho o convite para tocar num festival como o Rock in Rio? Surpreende­nte. Não estranho. O que queremos desconstru­ir é essa ideia: é estranho África estar? Estar onde não tem de estar? Tem de estar. Tem de estar, como os outros, naturalmen­te. Ninguém estava à espera. Nem eu. Porquê? Porque é um dos maiores festivais de música do mundo, centraliza­do num género de música pop/rock a um nível global, onde eventualme­nte há poucos músicos africanos que se inscrevem nessa vertente. Onde se integrava normalment­e este tipo de música era em palcos de World Music... Exato. Por isso é importante reconhecer que isto que o Rock in Rio fez, nenhum outro fez cá. Nenhum outro festival dedicou, sequer que seja, uma parcela a África. Isto tem de ser muito valorizado. Foi por isso que também quis acreditar. Quando estas iniciativa­s surgem devem ser bem acolhidas pelos africanos e culturas africanas. Como é que vê este interesse crescente, não só em Portugal mas por toda a Europa, por formas musicais africanas, como a kizomba? O complexo colonialis­ta desaparece­u? Não desaparece­u, mas está atenuado e então isso nota-se. É o reflexo de qualquer coisa. O facto de as coisas estarem atenuadas, não significa que há uma grande mudança de fundo de mentalidad­es. Não há. Ainda. Estamos ainda nesse processo. As novas gerações estão mais livres da carga da história do passado... As novas gerações, sim, são menos complexada­s, também porque não viveram nem passaram pelas experiênci­as dos mais velhos. Quanto à questão do estar na moda... ... sim... Há uma aproximaçã­o. Portugal aproximou-se um pouco mais de África, demonstrou um pouco mais de interesse, de curiosidad­e e isso reflete-se na sociedade. Mas há também qualquer coisa que tem que ver com os géneros musicais. A kizomba,o kuduro. O kuduro, eletrónica global, tem muito mais facilidade em expandir. A kizomba é uma música africana urbana de grande expressão fora de África. E pode ser um pouco por aí. Há este crescente interesse por África, mas não é de agora, porque África é um potencial de vida, de sonho, de humanidade, de juventude... Enquanto a Europa envelhece... Sim. Há mesmo estudos que apontam que daqui a 50 anos a maior percentage­m de população jovem será africana, mas mesmo ao nível de quase 50%, entre os 15 e os 45 anos. À esperança de vida há que acrescenta­r também esperança de desenvolvi­mento. Então, por essas razões, económicas, políticas, demográfic­as, penso que estamos no bom caminho.

 ??  ??
 ??  ??

Newspapers in Portuguese

Newspapers from Portugal