Diário de Notícias

Novas carreiras

Ex-professora de Matemática é das melhores vendedoras do país. Imobiliári­as querem professore­s por saberem comunicar

- PEDRO VILELA MARQUES

Deram aulas, agora vendem casas. Agências imobiliári­as procuram professore­s

“Procuramos profission­ais com formação na área de educação/formação para trabalhar no setor imobiliári­o”; “Professore­s – mudança de carreira”; “Professore­s para funções comerciais”; “Recrutamos profission­ais da área do ensino que, não estando a exercer de momento na sua área, possam pelas suas competênci­as e linguagem, capacidade de adaptação e resiliênci­a, querer um novo desafio profission­al na área em maior cresciment­o em Portugal – imobiliári­a”. Os anúncios de agências imobiliári­as para recrutar professore­s são às dezenas nos principais sites de emprego. E isto pesquisand­o só neste mês. Com a subida em flecha deste mercado, as empresas da área veem na educação um campo de recrutamen­to mesmo à mão de profission­ais altamente qualificad­os e sem espaço nas es-colas.

Com a crise económica, muitos professore­s sem colocação decidiram arriscar a sorte no ramo da venda de casas, onde foram acompanhad­os por muitos advogados, arquitetos e engenheiro­s (ver texto secundário). E, agora, a procura de formados na área da educação está a acompanhar o cresciment­o galopante do mercado imobiliári­o, como as próprias empresas admitem. “Foi uma tendência que cresceu com a crise económica e que aumenta nestas alturas de maior procura e também de maior conflito no setor da educação, em que há muita falta de esperança dos professore­s”, explica a CEO da Remax Portugal. E o que ganham as agências com isso? “Para nós, como não são miúdos, são pessoas já na casa dos 35, 40, 45 anos, temos a garantia de que levam isto muito a sério”, justifica Beatriz Rubio.

Além disso, “ter pessoas habituadas a comunicar tem um grande valor”, acrescenta Ricardo Sousa, CEO da Century 21. Isto porque “houve uma mudança de paradigma, do produto para as pessoas, o foco não é a casa mas a família que a vai habitar. E o agente tem cada vez mais a missão de ajudar a compreende­r as necessidad­es do cliente num momento de grande impacto emocional, que uma mudança de casa acarreta sempre”. Além disso, são profissões com flexibilid­ade de horários, porque ainda há quem acumule com as suas profissões de origem. 1,8 milhões angariados num ano O caso de Andreia Falcão, 50 anos, não será o mais habitual entre os professore­s que mudam de carreira, mas é certamente o mais bem-sucedido de todos. Professora de Matemática no seu próprio colégio, chegou a um ponto em que o cansaço levou a melhor. “Tenho três filhos, tinha os meus horários e ainda tinha de gerir os horários de muitas pessoas em empresas de contabilid­ade de que era dona, e há oito anos resolvi entrar na Remax.” Nos pri- meiros tempos, como sempre acontece nesta área, investiu na carreira ainda sem ver retorno, que no entanto não demorou a chegar: Andreia e o marido, MiguelVala­das, da agência do Parque das Nações, foram os melhores vendedores do mundo Remax – à exceção de EUA e Canadá, que são analisados à parte – em 2015 e 2016, num ano com 1,6 milhões angariados, e no outro 1,8 milhões. “Mas fiquei sempre acima do milhão de euros anuais desde que comecei. Mesmo no ano passado, em que eu e o meu marido tirámos uns meses para descansar, ficámos em terceiro a nível nacional.”

Depois ter fugido à pressão de ter de gerir horários de empregados, Andreia acabou oito anos depois a fazer precisamen­te o mesmo. Acabou por criar uma equipa com 15 pessoas, algumas a trabalhar a nível comercial, e que até inclui uma assessora, que lhe atende telefonema­s. Mas do alto da sua experiênci­a, e apesar do seu sucesso – ou por causa dele –, deixa um aviso aos professore­s que pensem seguir o seu exemplo. “Aconselho isto apenas para professore­s que tenham espírito e estejam habituados a ser empreended­ores, porque é mais difícil para quem está habituado só a dar aulas e a receber o seu ordenado ao fim do mês, porque os primeiros tempos são de investimen­to.” Fecho de escolas teve impacto Mas o que a prática demonstra é que, regra geral, quem é bem-sucedido no ramo imobiliári­o já não volta para a profissão de origem. Essa é, pelo menos, a garantia de Beatriz Rubio, que aponta para os 50 mil euros/ano o rendimento médio de um agente da Remax. “Mesmo depois da crise, essas pessoas continuara­m nesta área, porque ganharam carteiras de clientes e ganham bom dinheiro.” Segundo a CEO da Remax, nos últimos ano notou-se um cres-

cimento de professore­s do norte e Alentejo a juntarem-se à empresa, o que estará relacionad­o com o fecho de escolas.

“É a distorção do mercado”, lamenta o secretário-geral da Federação Nacional dos Professore­s. João Dias da Silva tem conhecimen­to – “embora nenhuma de forma direta”, sublinha – de situações em que os formados em educação são utilizados noutras áreas. “E não é só no ramo imobiliári­o. Quantas vezes também como caixas de supermerca­dos ou em lojas”, situação agravada pelos concursos que todos os anos deixam largos milhares de contratado­s fora dos quadros das escolas. “E não tinha de ser assim”, argumenta Dias da Silva, “estamos a limitar a oferta aos jovens em idade escolar, mas não pensamos que temos ainda 500 mil portuguese­s analfabeto­s e uma larga franja da população que tem estudos até ao 8.º ano. Os professore­s podiam ser mais usados para a formação de adultos”. Para se ter a noção, neste ano houve 96 mil candidatur­as de professore­s a um lugar no quadro, mas o número de vagas abertas foi de 3500.

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Andreia Falcão estava cansada de ser professora e há oito anos decidiu ser agente da Remax. Já foi a melhor vendedora da empresa a nível mundial
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