Novas carreiras
Ex-professora de Matemática é das melhores vendedoras do país. Imobiliárias querem professores por saberem comunicar
Deram aulas, agora vendem casas. Agências imobiliárias procuram professores
“Procuramos profissionais com formação na área de educação/formação para trabalhar no setor imobiliário”; “Professores – mudança de carreira”; “Professores para funções comerciais”; “Recrutamos profissionais da área do ensino que, não estando a exercer de momento na sua área, possam pelas suas competências e linguagem, capacidade de adaptação e resiliência, querer um novo desafio profissional na área em maior crescimento em Portugal – imobiliária”. Os anúncios de agências imobiliárias para recrutar professores são às dezenas nos principais sites de emprego. E isto pesquisando só neste mês. Com a subida em flecha deste mercado, as empresas da área veem na educação um campo de recrutamento mesmo à mão de profissionais altamente qualificados e sem espaço nas es-colas.
Com a crise económica, muitos professores sem colocação decidiram arriscar a sorte no ramo da venda de casas, onde foram acompanhados por muitos advogados, arquitetos e engenheiros (ver texto secundário). E, agora, a procura de formados na área da educação está a acompanhar o crescimento galopante do mercado imobiliário, como as próprias empresas admitem. “Foi uma tendência que cresceu com a crise económica e que aumenta nestas alturas de maior procura e também de maior conflito no setor da educação, em que há muita falta de esperança dos professores”, explica a CEO da Remax Portugal. E o que ganham as agências com isso? “Para nós, como não são miúdos, são pessoas já na casa dos 35, 40, 45 anos, temos a garantia de que levam isto muito a sério”, justifica Beatriz Rubio.
Além disso, “ter pessoas habituadas a comunicar tem um grande valor”, acrescenta Ricardo Sousa, CEO da Century 21. Isto porque “houve uma mudança de paradigma, do produto para as pessoas, o foco não é a casa mas a família que a vai habitar. E o agente tem cada vez mais a missão de ajudar a compreender as necessidades do cliente num momento de grande impacto emocional, que uma mudança de casa acarreta sempre”. Além disso, são profissões com flexibilidade de horários, porque ainda há quem acumule com as suas profissões de origem. 1,8 milhões angariados num ano O caso de Andreia Falcão, 50 anos, não será o mais habitual entre os professores que mudam de carreira, mas é certamente o mais bem-sucedido de todos. Professora de Matemática no seu próprio colégio, chegou a um ponto em que o cansaço levou a melhor. “Tenho três filhos, tinha os meus horários e ainda tinha de gerir os horários de muitas pessoas em empresas de contabilidade de que era dona, e há oito anos resolvi entrar na Remax.” Nos pri- meiros tempos, como sempre acontece nesta área, investiu na carreira ainda sem ver retorno, que no entanto não demorou a chegar: Andreia e o marido, MiguelValadas, da agência do Parque das Nações, foram os melhores vendedores do mundo Remax – à exceção de EUA e Canadá, que são analisados à parte – em 2015 e 2016, num ano com 1,6 milhões angariados, e no outro 1,8 milhões. “Mas fiquei sempre acima do milhão de euros anuais desde que comecei. Mesmo no ano passado, em que eu e o meu marido tirámos uns meses para descansar, ficámos em terceiro a nível nacional.”
Depois ter fugido à pressão de ter de gerir horários de empregados, Andreia acabou oito anos depois a fazer precisamente o mesmo. Acabou por criar uma equipa com 15 pessoas, algumas a trabalhar a nível comercial, e que até inclui uma assessora, que lhe atende telefonemas. Mas do alto da sua experiência, e apesar do seu sucesso – ou por causa dele –, deixa um aviso aos professores que pensem seguir o seu exemplo. “Aconselho isto apenas para professores que tenham espírito e estejam habituados a ser empreendedores, porque é mais difícil para quem está habituado só a dar aulas e a receber o seu ordenado ao fim do mês, porque os primeiros tempos são de investimento.” Fecho de escolas teve impacto Mas o que a prática demonstra é que, regra geral, quem é bem-sucedido no ramo imobiliário já não volta para a profissão de origem. Essa é, pelo menos, a garantia de Beatriz Rubio, que aponta para os 50 mil euros/ano o rendimento médio de um agente da Remax. “Mesmo depois da crise, essas pessoas continuaram nesta área, porque ganharam carteiras de clientes e ganham bom dinheiro.” Segundo a CEO da Remax, nos últimos ano notou-se um cres-
cimento de professores do norte e Alentejo a juntarem-se à empresa, o que estará relacionado com o fecho de escolas.
“É a distorção do mercado”, lamenta o secretário-geral da Federação Nacional dos Professores. João Dias da Silva tem conhecimento – “embora nenhuma de forma direta”, sublinha – de situações em que os formados em educação são utilizados noutras áreas. “E não é só no ramo imobiliário. Quantas vezes também como caixas de supermercados ou em lojas”, situação agravada pelos concursos que todos os anos deixam largos milhares de contratados fora dos quadros das escolas. “E não tinha de ser assim”, argumenta Dias da Silva, “estamos a limitar a oferta aos jovens em idade escolar, mas não pensamos que temos ainda 500 mil portugueses analfabetos e uma larga franja da população que tem estudos até ao 8.º ano. Os professores podiam ser mais usados para a formação de adultos”. Para se ter a noção, neste ano houve 96 mil candidaturas de professores a um lugar no quadro, mas o número de vagas abertas foi de 3500.